Primeiro corte
Este seja talvez um começo certo, no dia das mentiras. É quase a uma da manhã, e como é óbvio, uma memória –
Destapa-se dos lençóis amenos desta noite e faz-se sentir permanente, aqui junto à lucidez possível, do criador. Eu. Fumo-a com as mãos, os dedos e sinto-a na boca.
Desapareceu com a calma própria dos instáveis esquecimentos perenes.
No tempo em que, penso, éramos um pouco menos do que somos agora, existia uma escuridão, quase sensual; sensual decerto, diga-se – que prespassava-nos com o medo inerente às coisas desconhecidas. Como tal era assim a natureza dos nossos textos e dos nossos pensamentos – e não nego que já não o sejam, porque parte deles ou grande parte deles o são ainda – , e quando o amor regressou, para ambos inesperadamente, o que existiu somente foi luta, e perda.
Fizemos das navalhas a nossa forma de ver a vida, caminhar no seu gume incerto com o olhar, rolá-las pelas mãos faiscando as lâminas por braços algo virgens de tatuagens, ou cicatrizes, e desejar que as mulheres fossem como elas.
Uma noite tudo deixou de fazer sentido, e então, porque não dedicar um culto à FACA, à NAVALHA, a uma naifa curva que nos faça sentir mais poderosos enquanto humanos, simples, sentindo-as no bolso sempre que percorremos ruas de cidades que decidimos tornar reais em nós, e amar, com a certeza de que um dia elas também nos cortarão e serão uma navalha em nós?
Este é um blog de histórias e sangue abstracto das cores que povoam a palavra a que damos o nome de INCERTEZA; os seus sinónimos noutras línguas são falsos. Etimologicamente, só pode fazer ainda mais sentido; pessoas desfilarão pelo reflexo do gume, e tentativas (agora sorridentes…) de não enlouquecer nunca, ou deixar a loucura por momentos, serão cortadas pela impossibilidade de um sacramento.
Amem as navalhas. Elas são as filhas de todo este sarcasmo lunar.
Quanto a mim, despeço-me com um corte.
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