sábado, julho 16, 2005

The Mars Volta.

Bem… falar de The Mars Volta é falar da minha banda preferida, desde Março deste ano. É, de facto, uma estranha história de amor que foi sendo criada com clímaxes de som puro e letras absolutamente reveladoras de uma faceta artística que eu tivera já, distorcidamente, pela altura do meu décimo ano. Falar de Mars Volta é aceitar o incrível e a loucura como som.
Conheci Mars Volta pelo P., depois de ter conhecido justamente a banda anterior do omar e do cedric, os lendários At The Drive-in, extintos, num acto de harakiri, quando lançaram um álbum absolutamente perfeito e brilhante de rock sujo, rápido e inteligente, começando a deixar de ser apenas uma banda de culto para começarem a conquistar o mundo. Mars volta acaba por ser uma coisa bem diferente, mas antes de conhecer mars volta, eu vibrava, há coisa de dois anos, com o cd relationships of command, emprestado pelo P, logo copiado. Era fácil falar em genialidade. Era óbvio e cansativo. Mas se o adjectivo pode, de facto, ser usado para o último cd dos At The Drive-in, este pode, e deve, ser também usado para Mars Volta, desde que torcido, modelado e composto por cores mais vibrantes e formas desconexadas com a lucidez. Mars Volta, enquanto banda, acaba por ser uma viagem nunca terminada, pelo menos sente-se assim, pelos seus dois álbuns e concertos ao vivo, sempre diferentes. E quando saiu o de-loused in the comatorium e o P. o comprou, penso que não o entendeu bem (quem o poderia julgar por isso, Mars Volta demora meses a ser compreendido), sendo a música preferida dele justamente a primeira e a segunda, uma só, ao fim e ao cabo, a son et lumiére/inertiatic ESP; é a única que tem a duração de um single no álbum, é a única com riffs mais normais e uma estrutura mais terrestre. É também o inicio da viagem psicadélica e sonhadora, o que explica justamente a maior facilidade de audição. Fiquei meses sem o experimentar ainda, lá em casa dele, e um dia pô-lo a tocar quando lá fui, mas tão baixinho, que não entendi absolutamente nada. Bem, Mars Volta não é fácil. Eu tive muita sorte em compreendê-los e engoli-los de imediato, mas sei que isso não aconteceu com todos. A cena é que, Mars Volta são das melhores bandas do mundo, por terem um guitarrista e mentor que é um génio, um baterista que é considerado pelo seu colega dos metallica o melhor do mundo (palavras dele) e um vocalista inventivo, eléctrico, e com uma voz aguda absolutamente coadunada com o próprio espírito da banda.
Tive sorte, digo. Como tenho o hábito de comprar ou arranjar sempre um álbum novo quando vou para a aldeia dos meus avós, porque ainda é uma viagem de carro de cinco horas, escolhi para o natal levar Mars Volta. O P. deixou. Na viagem achei tudo aquilo uma loucura incrível e simplesmente diferente de tudo o quer alguma vez tinha ouvido – e hoje quando os ouço ainda é assim. O que levou a um amor à primeira audição, não tanto amor – mais veneração. Eu sempre ouvi os dois extremos da coisa . sempre gostei de músicas bonitas e melódicas, daquelas que ás vezes nos fazem sentir na mais completa das fossas (perdoem-me o exemplo simples e tosco) de tão bonitas que são. Mas também sempre gostei do rock forte, rápido e eléctrico. Mars Volta consegue ser muito mais que isso. Deixem-me usar uma exclamação aqui: Mars Volta é incrível! É muito simplesmente indescritível, mas não é fácil. O P., ao ver o meu entusiasmo, voltou a ouvi-lo com outros ouvidos, e então também Mars Volta se abriu para ele; a verdade é que temos de ouvi-los das primeiras vezes concentrados, tentando perceber o que é que a banda nos quer dizer, o que é que ela, enfim, é. E é boa, e é incrível, mas por ser diferente de tudo o que se tem ouvido, a estranheza É inibidora. É na verdade inevitável uma inibição.
O de-loused in the comatorium é uma viagem por um mundo diferente criado pelo Cedric Bixler Zavala. É todo feito na memória do mentor dos dois, omar e rodriguez, que falecera pouco antes do começo da banda. É na verdade um filme, quase – as explicações que aqui dou são retiradas de testemunhos de membros da banda, claro. No de-loused, a bateria é mais lenta em comparação com o segundo (frances the mute) mas mais sci-fi like, mais maquinal. As músicas são incríveis, todas elas (a ambuletz, última música do álbum, é na verdade assustadora), mas é mais um álbum de músicas singulares que valem por si só, do que uma viagem; é-o, no sentido em que o álbum é grande, é enorme, penso que ultrapassa os setenta minutos. E ouve-se o álbum todo e quer-se mais, é tão simples quanto isto. As músicas são todas à volta de dez minutos, com pérolas constantes. Cada riff é um orgasmo mental, é incrível. Começa-se com um crescendo calmo (a mesma técnica é usada no francês) para depois explodir no primeiro soco forte sónico. E com os agudos surreais de Cedric, Now I’m Lost, começamos a viagem por um mundo absolutamente diferente de tudo o que já se vira antes. Enquanto álbum, disse-me o P. que vira na NME (por acaso odeio essa revista, acho-a asquerosa em termos de idoneidade musical, só vive das modas, mas ok) que o crítico disse que o de-loused estava, muito simplesmente, uma década à frente do seu tempo.
Fui sacando concertos deles pela net e fui-me apercebendo, entre um álbum e o outro, que não saia nunca mais, a verdadeira genialidade da banda. Cada música, ao vivo, eles tornam-na numa diferente em palco. Os concertos, surreais, têm a duração de uma hora, hora e meia, e são só tocadas duas músicas (!), três no máximo. É tão brilhante e delicioso que chega a ser absurdo. Os improvisos de dez minutos são um deleite, é um doce para os amantes do som das guitarras e do flow musical, que é devorado insaciavelmente. Os concertos são um epifania. Músicas de sete minutos transformam-se em épicos de vinte, ou meia hora. Portanto, os meses foram passando e a minha dúvida era, sabendo que queriam fazer algo diferente no seu segundo registo, o que se seguiria.
Seguiu-se frances the mute. Muito possivelmente um dos melhores álbuns dos últimos dez anos, se não o melhor, do mundo do rock, 2-D punk, post punk, e Prog-rock. Enfim, toda essa merda. Até podemos incluir na equação o metal (e neste momento, ouço Cassandra gemini). Mais difícil, setenta e seis minutos.
Cinco músicas.





Não dá quase para explicar frances the mute – é a coisa mais incrível que alguma vez já ouvi na vida! eu nunca gostei do rock revival muito, protagonizado por bandas um bocado merdosas que não são carne nem peixe, como os strokes, the libertines, franz ferdinand e the killers, etc etc etc. desses todos só os white stripes se safam. Não quer isto dizer que eu estou pregado ao passado – muito pelo contrário, se estarei pregado a alguma coisa, é justamente ao futuro. E ao bom rock, e Mars volta é tudo isso. É o futuro possível das bandas de qualidade. Frances passa-se neste mundo, e roda à volta de outro conceito – desta vez, um diário encontrado de um mexicano possivelmente esquizofrénico que percorreu a América à procura dos seus pais e via fantasmas. Encontrado por acaso por eles, decidiram fazer o álbum à volta disso. E oh meu deus que álbum. É elíptico, fances the mute. Termina como começa, as letras são uma hode a todos os poetas de segunda que se julgam abstractos o suficiente, e os riffs, meu deus… os riffs estão melhores que nunca. O meu fascínio por frances the mute foi a dada altura quase doentio. Eu acordava literalmente a cantar os acordes, a cantar passagens da Cassandra gemini, não me largava, ia para as aulas na universidade com aquilo (de notar que uma vez estava tão vidrado que o Pedro Lomba andou a aula toda a dizer que a sala devia estar assombrada, mas afinal, era só eu e o discman a expelir sons estranhos); o que se pode equiparar ao que fiz era fome. Era fome autêntica, era um precisar quase físico de mars volta. Durante meses andei com eles na cabeça e não me saiam. E não me importava, e ainda hoje não me importo. Nunca tinha gostado de nenhuma banda assim.



Foi quando comecei a tentar espalhar a palavra.
Frances é um álbum mais complexo ainda de ser percebido. E difícil. O segredo para o compreender e venerá-lo é fácil, mas absurdo. Contei isto ao vash, meu colega da faculdade (que comenta aqui n’A Navalha) e fi-lo jurar que faria como eu lhe dissera. Eu disse ao vash que isto era melhor que tudo o que ele já tinha ouvido; o vash é um amante de metal puro, logo isto poderia não ser bem a cena dele, pensava eu. Porque mars volta pode ser algo poderoso mas não é metal, não é barulho bruto sem sentido. Ele gravou os dois álbuns, ouviu-os uma vez, gostou mais ao menos, disse que até nem eram maus. Fiquei desiludido mas não surpreendido. Na verdade, sabia que era apenas uma questão de tempo.
E então, há umas semanas, fi-lo jurar que ouviria frances the mute como lhe ordenasse (a receita digo-a agora, podem todos experimenta-la.) e como se deve ouvir o frances the mute? É simples, tem de se ouvir o álbum com atenção do início ao fim na aparelhagem, alto. Tem de ser alto. Sem fazer nada, com alguma atenção - pode-se ler um livro, estudar, etc. não é importante. No mesmo dia, ou no dia a seguir, à noite, sem interferências (aconselha-se então que se faça quando os pais dormirem já), metam o cd no discman, e em silêncio, em pé, bem alto, ouçam o cd a partir da quinta música, sem fazer nada. Alto. Cassandra gemini, no discman.
O Ricardo teve os cds desde Março em casa dele, copiados. No dia depois a lhe ter pedido que fizesse o que lhe dissera, veio-me agradecer, veio-me no entanto, mais que isso, dizer que nunca na vida tinha ouvido algo tão genial e (passado uns dias) que mars volta tinha mudado a sua vida musicalmente, para sempre. Tal como metallica, aos 13 anos.
Coincidência? Não penso assim. Já pedi a uns amigos meus para fazerem o mesmo, mas pensam que estou no gozo, ou não entendem a estranheza da ordem. Ou não têm tido oportunidade. O P. quando experimentou também, também o percebeu como devia ser. Não podia ser de outra maneira, a genialidade é, por natureza, esotérica na sua génese.


Moral do post, que já vai grande. Eu não consigo, nem quero, explicar mars volta. Deixo ao vosso critério e medo experimentarem-no, estranharem e não gostarem nos primeiros dias, e depois apaixonarem-se. Para mim, são das melhores banda de sempre, ao lado dos beatles, the doors, miles davis. Porque dizem algo de novo, eles são na verdade uma revolução dentro da música.





Mais que isto, só mesmo ouvirem-nos.





J.

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