terça-feira, junho 20, 2006

Ozymandias

- O meu nome é Ozymandias, rei dos reis, mestre e prisioneiro das ideias sólidas para todo o sempre.

O deserto prolonga-se até a vista não mais o poder perscrutar.
Uma construção monstruosa é o único elemento na paisagem. Um velho caminha sozinho no deserto. A custo, na sua passada lenta, chega junto do palácio que se ergue, só, sobre as areias. Levanta os braços e desfaz-se numa nuvem. Metamorfoseado, penetra nas paredes da estrutura. Lá dentro, esconde-se por detrás de uma das cortinas de veludo que encobrem as duas paredes maiores, assumindo a sua forma original. Ozymandias, forma cadavérica, está sentado no seu trono. Todo o espaço à sua volta é formado por plantas que se contorcem e digladiam, sem deixar que os alicerces do edifício sejam abalados. Um tapete negro estende-se desde a entrada do salão do palácio até ao trono. Ao longo do tapete encontram-se seis figuras cobertas com longos mantos vermelhos. As faces invisíveis. As espadas embainhadas. O percurso até à figura tenebrosa sentada no trono parece ensombrado - tão longo e sinistro.
- Ao que vens, servo?
- Trago a meu senhor oferendas da cidade esquecida.
- Sou Ozymandias, rei dos reis, governo sobre tudo o que vês e mais além. Que me poderão dar que não seja já pertença minha?
- Senhor, mais a norte, na cidade em ruínas de onde venho, Ozymandias é um rei amado. Os seus gentis servos juntaram suas posses para lhe trazer estas ofertas.
Ele pousa no chão a manta que transportava às costas. Abre-a, e uma luz forte enche o espaço. O pequeno cofre doirado causa apreensão. As seis figuras negras que observavam em silêncio aproximam-se. Não parecem caminhar, apenas esvoaçam lentamente, cercando o servo.
- Abre o cofre – ordena o rei, na sua voz grave.
O servo obedece.
Com um leve toque a pequena caixa abre-se violentamente e parece ganhar vida. Gritos de horror são cuspidos. Todos os tormentos da existência estão ali contidos. Encerrados até eles próprios poderem ser o tormento do rei que não ouve ninguém. Uma mão enevoada agarra o servo pelo pescoço. Ergue-o, enquanto este tenta desesperadamente soltar-se, mas a mão que o sufoca não abandona a sua forma espírita.
- Levem-no.
Os mantos negros perfilam-se, prontos para obedecer à ordem reinante. O servo é levado. Passado alguns segundos Ozymandias encontra-se só. Começa a murmurar qualquer coisa imperceptível. Talvez em tempos não muito distantes ainda fosse capaz de se levantar do seu trono. Fora do seu palácio de plantas, teria visto a extensão de deserto a que chama reino. É, agora, não mais do que um corpo corrompido pelo peso da imortalidade. Sobreviveu, enlouquecendo, ao passar dos séculos. As suas carnes foram apodrecendo enquanto a sua mente definhava. O rei está sozinho. É o momento. Por detrás da enorme cortina de veludo, surge o velho. Aproxima-se de Ozymandias. O rei, prostrado, olha-o.
- O meu nome é Ozymandias, rei dos reis, mestre e prisioneiro das ideias sólidas para todo o sempre.
O velho dá um passo em direcção ao rei.
- Ao que vens, servo?
Mais um passo.
- Sou Ozymandias, rei dos reis, governo sobre tudo o que vês e mais além.
Dá um último passo. Leva na mão direita uma navalha. Num movimento forte, Ozymandias, rei dos reis, é degolado. O palácio estremece violentamente, as plantas que antes se contorciam, estão agora a mirrar, já fracas demais para lutar. Num último momento, todo o palácio acaba por se tornar meras ruínas disformes, até nada mais existir à volta do velho. O rei é deposto ao sabor d’A Navalha para a eternidade. Um novo rei ergue-se.
O seu reino é um deserto imenso.









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um agradecimento ao buddy lee, leia-se J., pela ideia do conto. precisa de uma para um trabalho para um conto que tinha para fazer para uma cadeira, e como ando cheio de trabalhos e com poucas ideias, a ajuda de oh captain, my captain, J., para o tema da coisa foi preciosa.a frase que introduz o texto é do homem e, nas palavras do próprio, tem "direitos de autor".
Não me processes. I'll pay you back, someday.


P.S.: Aos sick and tired da tirnani joanina, desculpem os tão longos períodos de ausência a que tenho sujeito este blog.

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P.

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