quinta-feira, regresso a casa.
Ele entrou uma estação depois de mim. Sentou-se à minha frente no comboio, era um pouco mais velho do que eu. Barba de poucas semanas, mochila, t-shirt promocional qualquer, bloco de folhas A3; e um caderno pequeno, capa preta, elástico à volta, folhas brancas.
Só voltei a reparar nele um pouco depois. Olhava-me, caneta de feltro em punho, desenhava-me. Tentei fingir que não tinha reparado. Passsado um pouco já desenhava o velhote sentado ao meu lado. O velhote saiu pouco depois. Levantou-se, e sentou-e ao meu lado, uma cadeira de intervalo, exactamente na mesma cadeira onde antes havia estado o velhote. Agora desenhava uma mulher que estava à nossa frente. Loira, ensonada, de cabeça enconstada ao vidro. Pode-se dizer que era bonita. O desenho. Definido, sem ser perfeccionista, ele estava apenas a divertir-se - desenhando. A mulher, loira, o seu reflexo na folha de papel, estava agora demasiado bonita, agora que preenchia toda uma página. Mas ele não parou de observar.
Desenhava agora uma outra rapariga, com ar de miúda, não era de certaeza mais velha do que ela. Ela estudava e não reparou em nada. Ele desenhou-a. E eu, discretamente, feito voyeur, tentava captar cada traço que ele imprimia no papel. Chegámos à estação. Ele saiu do comboio na mesma porta que eu. Foi para o seu lado, prosseguindo caminho. Eu prossegui o meu. Era de noite e, sem malícia, invejava-o.
Nunca poderia desenhar alguém que amo daquela maneira.
E todas as palavras me parecerão demasiado insignificantes.
P.
[Sexta-feira, dia 13, já começou - A Navalha é totalmente a favor de todo o tipo de superstições, mitos, manias, fobias, et cetera. Vou agora ver o que resta do filme Sexta-feira, 13 (parte 1) que nunca tive oportunidade de ver. É mau, manhoso, e vai saber-me tão bem.]
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