terça-feira, outubro 10, 2006

Amputechture: Crítica.

Como eu esperava, o novo álbum do mars volta fica melhor de dia para dia. Já tinha postado uma imagem há uns dias atrás, mas hoje estive a ouvi-lo a tarde toda, a ir para a faculdade e depois para o chiado, e no regresso a casa também, e sinto-o a abrir-me as portas da sua - porque não dizê-lo - genialidade. Como já se esperava, considerando os outros dois trabalhos.
Ora bem: não é um álbum fácil, como nenhum dos três é, aliás. Acho, aliás, que é o álbum mais difícil de todos. Até eu tive dificuldades, a início, em conseguir vibrar como esperava com todas (ou quase todas - já lá iremos) as músicas, mas por outro lado também esperava passar por esse período de adaptação - quase inevitável até mesmo para o maior die-hard fã de Mars Volta. Ouvi-o também poucas vezes nestas últimas duas semanas porque o trabalho me roubou muito tempo.
Mas voltando ao álbum propriamente dito - no que é que ele difere dos outros? Para principiar, é o álbum mais “calmo” de todos. Tem oito músicas, e três delas são “baladas”: Respectivamente a Vicarious Atonement, Asilos Magdalena, e El Ciervo Vulnerado. O De-loused tinha em bom rigor duas, o Frances apenas uma.
Não se pense, no entanto, que é um álbum “calmo”. Nada disso. Acho que é o álbum em que mais instrumentos existem em simultâneo, no sentido de tentarem criar a maior explosão sónica possível (principalente na Tetragrammaton), mas por vezes o resultado é descontrolado, e algo, convém dizê-lo, espalhafatoso.
É o álbum mais calmo. Conceptualmente, é o álbum mais disperso de todos. Se em De-loused In The Comatorium tínhamos um subjacente sentimento de união entre as músicas, funcionando o álbum como uma espécie de viagem, havendo uma progressão perfeita entre canções (mesmo não se sabendo que era um álbum conceptual, com uma história e um tema subjacentes), e se no Frances The Mute essa ideia era ainda mais reforçada, com uma história mais óbvia e comum ainda, espraiando-se por cinco músicas (mais outra, que não coube no álbum), com os mesmos tópicos a serem desenvolvidos por todo o álbum, e músicas espelhadas em início e fim, aqui não temos nada disso. Apesar de não haver um momento para respirar (não há qualquer pausa entre as músicas) cada música vale por si só, e cada uma fala de assuntos variados, sempre esotéricos (desde os gritos do Cedric “Humans as ornaments!” Na Meccamputechture, até aos sussurros “I’ve been drinking black mirror again…” na El Ciervo Vulnerado), sempre muito distintos. Não há um factor de coesão, união, o que quer que seja. Pessoalmente, não gostei tanto dessa falta de união. Todos os álbuns de Mars Volta tinham uma profundidade tremenda, que não se esgotava nas canções, e cada álbum tinham um mundo próprio (mesmo contando com o scabdates, ao vivo), o que não acontece aqui. É pena. As imagens mentais continuam a surgir, com cores e tudo, diferentes de canção para canção, mas há uma ideia de falta de coesão. Talvez seja de estar mal habituado.
Menos Salsa e jazz, mais rock e avant-rock directo e agressivo.
Há também muito mais instrumentos de sopro, e não gostei tanto da sua utilização desenfreada (cortesia do Omar, revelando-se cada vez mais como um autêntico ditador, sendo este trabalho quase uma máscara para um seu trabalho a solo, maestro supremo). Se há músicas muito calmas e em maior quantidade, as músicas “a abrir” tentam ser o mais a abrir possível. E não conseguem. As guitarras parecem mais espalhafatosas (o John Fruciscante dos RedHot é responsável por talvez 90% dos sons de guitarra… digo isto porque tenho o ouvido treinado e sei distinguir perfeitamente entre o estilo dele e o do Omar), tal como a bateria (não tirando primor ao John Teodore, um dos melhores bateristas do mundo), mas, na tentativa de fazerem o som mais explosivo de sempre, penso que falham, com solos a mais, alguns devendo mesmo não existir para darem lugar a riffs inventivos e fantásticos, como me habituei a ouvir nos álbuns anteriores. Riffs aqui, aliás, é coisa que não existe, e, embora adore solos, tudo o que é demais enjoa. E não gosto tanto do estilo do Fruciscante, prefiro mil vezes o do Omar. É pena. Ainda assim, o álbum consegue pôr-nos a mexer, a querer saltar e dançar no meio da rua. Apenas os álbuns anteriores eram mais a abrir. Isso é outro factor negativo neste álbum.
No entanto, tudo o resto está excelente. A música inicial (e primeira balada do álbum), Vicarious Atonement, brinda-nos com as boas vindas de umamaneira ineserada (justamene: começar um álbum dos mars volta com uma balada). Estica-se até aos sete minutos, com uma letra tão bonita quanto misteriosa, cantada na perfeição ( I regret…/ Not killing you while I had the chance…/Baby I will always haunt you…): é uma canção de amor. Embora não pareça.
Deseguida entramos na música mais espalhafatosa do álbum, e, parece-me na minha humilde opinião, a música épica, core centre do álbum, que os mars volta pretendiam realizar - mas que falhá redondamente. É a maior, a mais “tudo”, com saxofones e trompetes, baterias descontroladas e bongos, solos desvairados e um baixo como sempre birlhante. Dura dezasseis minutos. E é isto que me lixa: durante 16 minutos não há uma única parte em que se encontrem todos os membros da banda com o seu som - parece que cada um tocou a sua parte sem ouvir a dos outros e depois juntaram aquilo tudo. E se essa técnica funcionou na perfeição com Miles Davis no seu Kind of Blue, aqui falhou. Não há um único Riff de jeito. Parece mais uma gigantesca jam session, nunca ultrapassando a fase em que os músicos tentam encontram um ponto de ligação entre os seus sons. Ainda assim, é óbvio que representa um passo em frente em relação ao tipo de som que eles estão a tentar conseguir, procurar. Só não sei bem qual é, e nem sei se me agradará tanto. É facto, comparado com esta música, todo o De-loused parece comercial.
Passamos para Vermicide, uma das minhas personal favouries. A mais “quieta” de todas sem ser uma balada, tem um refrão soberbo, cantado na perfeição. E mostra que os Mars Volta conseguem fazer qualquer tipo de música na perfeição, ou qualquer tipo de álbum rock. É curta (quatro minutos) para nos preparar para o próximo trabalho épico que aí vem.
Que começa da melhor maneira. Ainda assim, embora seja sempre a abrir, falta sempre aquela força da Cassandra Gemini ou da Cicatriz pelo álbum todo. Ainda assim: a Meccamputechture, nos seus onze minutos, tem o seu refrão, a sua progressão natural, e seria quase perfeita com umas pequenas, ligeiras, modificações, mas ainda assim fantástica.
Depois, a “grande” balada, sem qualquer tipo de explicação possível: Asilos Magdalena. Com a letra toda cantada em espanhol, e só uma guitarra acústica a acompanhar a voz, espraia-se por uns falsos seis minutos e meio - pois parecem três. É perfeita para ser cantada, em qualquer altura, em qualquer lugar, baixinho, ao pé das pessoas no metro, para provocar alguns sustos.
Passando para o single, tão brutal quanto a minha primeira audição no myspace. A música forte “mais fácil” de todas, é também uma autêntica delícia - com aquele estilo de forte/calmo/fortíssimo que progride muito bem.
São seis músicas. Falta o Day of The Baphomets, que, embora seja, talvez, a minha preferida de todas as músicas, só entra na sua melhor parte a partir dos sete minutos - aqui sim, roçando por momentos a grandeza dos álbuns anteriores. Doze minutos depois, o fim, para a ressaca que é El Ciervo Vulnerado, não havendo muito a dizer sobre a música… uma ambuletz diferente, acho eu, mas sem o génio da sua congénere.

Para finalizar, uma nota: apesar de todas as críticas tecidas, este é um grande álbum. Não o melhor deles, mas simplesmente diferente (com uma clara predisposição para as músicas calmas, a falta de um conceito ou história comum par o álbum, um decidido passo em frente, ou para os lados, em relação aos álbuns anteriores), consegue notar-se que era isto precisamente o que eles queriam, e não tanto igualar o que fizeram antes (O frances The Mute foi considerado um dos álbuns do ano em muitas revistas e próprio álbum do ano em outras, e o De-loused foi recentemente considerado pela guitar world um dos 50 melhores “guitar albuns” de sempre”). Acima de tudo, é um grande trabalho. Mas o mais difícil de ouvir de todos. O mais difícil, também, de criar um entrosamento com o ouvinte. E no entanto, é uma espécie de jogo já conhecido: primeiro estranah-se, depois entranha-se. Sei que o que agora mais gosto no álbum mudará completamente daqui a um mês, preferindo outras partes ou canções, porque, justamente devido à sua profundidade, diferentes pormenores se nos vão revelando a cada nova audição.

Como é óbvio, eu recomendo. Mas como primeiro álbum de descoberta de uma banda, nem este, nem o scbadates, seriam boas primeiras audições. É preciso paciência para a revelação. Mas ela chega, sempre, por mais tarde que pareça. Talvez daqui a dois meses já não tivesse qualquer tipo de crítica a apontar ao álbum - mas também é verdade que este talvez seja o menos bom, em comparação com os outros dois de originais.








J.

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