terça-feira, abril 10, 2007

Scott Walker, The Drift






The Drift é um álbum profundamente épico. Comprei-o quase por acaso e tornou-se um dos meus discos de eleição. E é algo mórbido na sua essência. Scott Walker invoca os desconhecidos que morreram longe do mundo. Fala-nos de Jesse, o irmão gémeo de Elvis Presley que morreu à nascença. Fala-nos de Claretta Petacci, esposa de Benito Mussolini, que insistiu em morrer com o marido. Foram baleados, presos pelos calcanhares, sete palmos acima da terra, pendendo para toda uma multidão os gozar e voltar a balear. Fala-nos também dos doentes de psoríase, que sofriam de um problema de pele e que durante a Idade Média eram temidos e chamados de silver people.
São mais de quarenta anos que Scott Walker já leva a fazer música. E este é o único álbum que, por enquanto, conheço dele.
[“Cossacks are charging in/ Charging into fields of white roses”]
The Drift é uma longa caminhada, uma viagem penosa, fortemente carregada de castigos. Pode-se sentir, na voz levemente cadavérica de Scott Walker, nos ritmos prolongados que nos hipnotizam. [“Famine is a tall, tall tower/ A building left in the night/ Jesse are you listening?]
Tudo é denso neste disco. Sempre tocado a negro, sempre sentido a frio. Foram sete anos de trabalho, tudo para nos prender. The Drift poderia ser um filme, que certamente estaria repleto de imagens perturbantes. Não há desculpas para a calma. E tristeza não é de todo a palavra certa pois a sequência de músicas levam-nos para baixo, em demência infernal.
[Sometimes I feel like a swallow/ A swallow which by some mistake has gotten into an attic and knocks its head against the walls in terror"]
Este é o seu pesadelo. A sua obscuridade. O seu muito próprio desafio. Fácil de rejeitar, por ser difícil de ouvir. Fácil de críticar, porque Scott Walker não quer ser mediano. Tem pretensões de chocar, de confundir, de provocar a cada música. São por vezes sons distorcidos, gritos animalescos, guitarras e violinos que chiam nos momentos de catarse de Walker (que, informo, não é o seu verdadeiro apelido). E a lírica, também ela épica, que toma conta de cada música. São muitas as vezes em que não se percebe o que Walker (nos) tenta dizer. E no entanto, todo o humor negro, o absurdo da beleza sangrenta, tudo é intenso, nada nos deixa indiferentes.
[“The audience is waiting”]
Não é apenas música, mas em grande parte uma peça de arte. São melodias desoladas, de devastação. Sempre a pisar os limites do excesso, porque Scott Walker dá toda a liberdade a si próprio. Só lhe importam os seus propósitos, daí o tempo das músicas poder ir de uns simples três minutos, até uma maratona de quase treze minutos. Em The Drift os limites do Tempo são violados. É um disco de uma vida, não de um ano ou de uma época. É um último lamento, suspirado. E todo o cansaço de Scott Walker junta-se para dar uma nova força à palavra criação.

[“I’m the only one left alive”]





P.

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