sábado, fevereiro 04, 2006

Imagem.

Esventra-se em silêncio o frio da noite. Os passos surgem, periclitantes, entre uma baforada de fumo, e outra. Ritmadamente, os candeeiros da rua apagam-se em tempos irregulares.
Foi só uma névoa mais física, pensou um qualquer homem de meia-idade. Entre a sua voz, passaram lâminas enferrujadas, e um ou outro copo de aguardente. Quando falaria, se falasse – seria ele o outro farrapo de névoa.
Passa por mim, ou sou eu que passo por ele. Pode estar encostado ao poste de iluminação há dias, fumando o Inverno do seu descontentamento. Um jardim húmido de verde. As luzes diagonais entre os carros que passariam ao fundo. Lembro-me que a cidade é um poema em movimento, talvez tão agreste quanto as histórias que, dentro de si própria, cria sem lamentos. Ela nunca veio, pensei, enquanto ele não me olhava uma segunda vez, fumando ainda, o mais devagar possível. Ela não veio para nenhum de nós dois; era suposto ser assim, nesta parte esquecida de prédios sem glamour ou qualquer sentido.
Mas ele espera ainda, encostado ao poste, junto a um jardim raro, rente à estrada. Olha, súbito, para o céu. Talvez tenha sorrido e eu não vira, mas faz questão de levantar a cabeça para expelir a última baforada de fumo. Depois, atira o cigarro e volta à mesma posição, desta vez com ambas as mãos nos bolsos. A luz, ainda, intermitente.
Começa a chover, vou para casa; Ela afinal não viera. Ao olhar uma última vez para trás – na mesma posição, encostado ao poste, ele ainda está lá.










Tom Waits - green grass

















J.

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