sexta-feira, janeiro 20, 2006

Narrativa contemporânea, Colecção: Que cor tem o iodo?

Membrana. Polvo-espada era um tipo alegre. Falavas do absurdo? Bem, comeu uma fruta, manga, morava numa daquelas deformações rochosas provocadas pela força das águas, e nadava. Nadava, nadava, nada de nada, brincava, escondeu-se, encontrou, pulou, lembrou-se: Estou atrasado, que é daquelas coisas que acontecem, atrevo-me a dizê-lo, quando não se chega a tempo às coisas. Ora Polvo-espada é, obviamente, uma alcunha que lhe foi atribuída pela estória mirabolante que contou da pesca submarina ao largo da ilha da Páscoa (havia lá mesmo coelhos de chocolate, acrescentou ainda); o sitio onde morava era, como não poderia deixar de ser, o Cacém (e que não se façam comentários em relação a isto); membrana não faço puto de ideia por que raio está aqui, mas está. Ah, efectivamente, o rapaz nadava. Um pouco, assim poucochito, que é o que se diz quando o pouco já é pequeno em si próprio. Mas contava eu:
Estava calmo. Muito, muito calmo – condição geralmente associada Às horas que se seguem a uma moca (ou mole, também pode ser esse o termo). Mas dizia eu que o Polvo-espada, calmo, tinha em mente fazer uma tatuagem. Uma daquelas sinistras, com uma tipa nua, voluptuosa. Assim fez. Voltando das agulhas, Polvo-espada decidiu confessar-se. Não faz sentido, eu sei, mas não posso negar que foi mesmo isso que ele fez. Confessou as tentações da carne, os roubos e as mentiras de que se lembrava, falou ainda ao padre da tatuagem e do piercing na orelha que queria fazer na semana seguinte. Perguntou: Tenho salvação. Responde o Padre – Tu ‘tás é parvo. Então? Não vez que isso dos brincos é coisa de maricas? – atirou o padre. E saiu do confessionário. Não o padre, entenda-se.
Polvo-espada era um tipo alegre. Membrana (não esquecer que se não se compreende, tem de ser, só pode, ser artístico). Membrana, portanto. Prestes a completar 38 anos, vivia ainda em casa da mãe. Quando é que te casas, pah? Ó mãe, eu cá sou um espírito livre. E emprego? Sou contra o capitalismo corporativo, como a mãe sabe, e além disso o estado é fascista.E era tudo mau, mas Polvo-espada, julgando-se príncipe de conto de fadas, fábulas, contos populares e afins, fez qualquer coisa que não dependia da Segurança Social e que fez dele individuo menos dúbio, e viveu feliz para sempre. E agora a punchline, o moral da história:








(tambores)








(mais tambores)





- Coiso.


Ah, e há sempre esperança para todos se tratarmos bem as crianças, as árvorese os velhinhos que são mesmo chatos.








P.

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