sábado, setembro 23, 2006

Querida __________________

Finalmente, depois das primeiras duas semanas, consigo escrever-te. Dediquei-te um poema há uns tempos passados (não sei bem, - não sei bem como quando foi), em que estava um pouco confuso. Agora já estou melhor.
Andei…exausto toda a semana. Muito não se poderá dizer mais de um homem que vive nas salinas. Quero voltar a falar sobre isto - quando vieste, em Março deste ano ou outro, e vinhas com uma saia. Essa saia ficou-me presa à recordação muito tempo, como se desafiasse os horizontes muito, muito finitos da minha memória. Saía-lhe fogo enquanto andavas e borboletas te saiam, imagino, por baixo das pernas, o castanho, o vermelho e o laranja misturando-se com o cinzento chumbo do céu e da paisagem à volta. E pães, brancos como farinha no teu regaço.
Como se aquele tempo fosse outro tempo, outro tempo muito antes de eu e tu ainda nascermos, como se não fosse o nosso tempo. Sinto o cheiro a sangue quando digo qualquer coisa a sair da minha boca. E ontem pensei: a Terra tem de ser demasiado grande. Demasiado grande para mim, já que eu tanto tempo passei nestes campos de sal, ao lado das velhas anciãs, e a cada dia que passa me vou descobrindo mais e mais, e, assim, desbravando outros e mais horizontes na própria terra, sulcando fendas no céu pesado?
As paredes estão desenhadas com pensamentos que não quis esquecer, então pu-los nas paredes com os olhos, e o cheiro
Por vezes quando
Por vezes quando olho muito para os lagos de sal vejo submarinos
Submarinos a irromperem, azuis e cinzentos e pequenos mas como uma Orca, pelos campos de sal, e sinto o tecido da realidade a rasgar-se



E não sei quem tu és
Ainda não sei quem tu és


Pára
Quem eu era quem eras tu quando te vi pela última vez

Onde guardei o espelho em que vi o teu
Reflexo









J.

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