Elisa, DOIS
- Então como é que tu te chamas?
- Elisa, e tu? Espero bem que não te chames José ou Marco ou Rafael, porque não suporto esses nomes.
- Chamo-me João.
A assoalhada a dançar atrás deles; apaixonou-se de imediato. Porém, o primeiro sinal: a sensação da música de fundo a tocar ao contrário,, ou algo a lembrar Jon Zorn, em tons de verde. Acompanhando a sensação de frio no estômago – claro.
- Também estás aqui com estes artistas todos de pila grande, ou vieste só aqui trazer a tua irmã e ver se engatas alguém? Mas não tens cara disso… Tens, oh! Pois é,, tens cara de bebé.
A desorientação inicial
- Não! (Um riso), não… Não tenho uma irmã, estou aqui pelo…
- És amigo da Rita?
- Sou amigo da Rita, o que
Alguém a chamou num grito gargalhado, estendendo a mão virando-se de costas, um breve num tom muito sub-repticiamente implorativo
- Espera lá
, Off she goes. O Dj está a mudar constantemente como as cores lá fora atrás das janelas abertas, atrás das cortinas púrpuras transparentes, são amigos de amigos de amigos; baixa mas com um sorriso oblíquo, olhos semicerrados como se estivesse ou pedrada, ou com sono; muito dengosa, tom permanentemente quase irónico, não houve tempo para mais mas o cabelo curto e laranja, ficou. Nessa noite: uma exposição conjunta de pinturas retiradas de um projecto post-noise de um conjunto de pintores e músicos daquela zona da cidade, com o epílogo aglutinador de uma dança feita durante horas seguidas, non stop, por uma asiática de vestido negro, arrastando os pés num círculo branco desenhado no chão, em silêncio sempre; sexo no segundo quarto entre uma retratista conhecida que usava peças do lixo para criar caras e dois músicos que tentavam introduzir de novo o kraut-rock ao pé dos armazéns junto ao rio – O seu amigo Rafael bêbado no chão numa zona esquecida do apartamento a segurar afincadamente a mochila preta onde guardava os desenhos que fazia, enquanto uma miúda de brinco no nariz e saia preta de linho lhe falava baixinho, pelo ouvido, ininterruptamente, de cócoras, e ele assentia com a cabeça. Alguém enchera a banheira com gelo para manter frias as cervejas e o vermute, mas dois tipos deviam ter achado que seria interessante enfiarem-se lá dentro numa experiência artística continuada e viva, então a casa de banho estava cheia com
Alguém gritou
- Alguém viu aquela cabra da Elisa, que lhe quero dar um beijo de boas-vindas?
Gajos a aplaudirem e dois enregelados idiotas a darem um discurso dadaísta ininterrupto, gajas a coçarem a coçarem as calças, bêbados a gritarem tons de vivas e um tipo com uma câmara preta grande a filmar tudo. Nas chaise-longes conversava-se e desenhavam-se freneticamente rabiscos para tentar explicar qualquer coisa entre o design e a arquitectura, e alguns de agora disfarce descoberto mundanos comiam-se simplesmente nos puffs e numa marquise preta encostada à parede, roçando com as costas e as unhas um quadro grande pregado quase no tecto.
Dentro de dez minutos, a Elisa pegaria nele, dir-lhe-ia ao ouvido coisas incríveis enquanto o puxava para um quarto para tentar perceber nesses pequenos segundos se ele era pintor, músico, escritor, ou ambos ou as três coisas, e, praticamente quase, violá-lo-ia, na mais incrível e explosiva noite de sexo que teve lúcido; amarrado, desamparado e deixado a abandonar, cinco minutos antes da maré encher.
J.
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