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Hoje fui ver a exposição Berardo, no CCB, já que estava por lá. No fim da exposição, entrei num café ao pé do museu da marinha, por acaso, já que o plano era ir para a casa dos pastéis de Belém. Enquanto decido o que comer para lanchar e via o meu dinheiro, olho de repente para trás e vejo um velhinho sentado numa mesa redonda, muito curvado, com uns livros na mesa, outro na mão esquerda, e a escrever gatafunhos numa folha branca e lisa, um poema. Era o António Ramos Rosa. Decidi por momentos como me deveria dirigir a ele: se senhor doutor, se professor, se Mestre (mestre teria sido o mais certo), mas já me tinha inclinado porque teria que dizer alguma coisa, não sei porquê, e disse Ramos Rosa, era só para lhe dizer que admiro muito o seu trabalho. Só um momento, só um momento, disse muito baixinho, enquanto olhava para mim com os olhos muito abertos; por momentos tinha ficado tão surpreendido quanto eu. Claro, peço imensa desculpa. Ele estava a trabalhar. Sentei-me na mesa ao lado dele. O café ia fechar, às seis. Um dos empregados virou a tabuleta na porta grande de vidro e um casal de brasileiros que pediu gelados para os filhos veria nele mais um velhinho. Não acabou o bolo que estava a comer. De vez em quando fazia trejeitos com a boca, como se estivesse a engolir a parte de trás da língua. Usava uns sapatos talvez cinco números maiores que os pés dele. No fim bebeu o sumo, levantou-se devagarinho, e uma das empregadas pôs-lhe o bolo inacabado num saco de papel, e ajeitou-lhe as calças e a roupa.
“Elas descompõem-no todo, António!”. Ele riu-se muito baixinho. Levou-o ao táxi que estava à espera dele lá fora, andar devagar, curvado por uma corcunda de velhice. Esqueceu-se de mim, certamente. Quando estava a entrar no táxi, cheguei à conclusão que nunca mais o ia ver, que era a última vez que o ía ver com vida. Sentou-se, afundou-se nos bancos quase como um menino de seis ou sete anos, por baixo do vidro de trás, e foi-se.
J.
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