chocolates; fotografia; menina.
Disseram-me que não havia nada a fazer.
Não entendo. Nunca entendi – tive amigos que me disseram que tudo havia de passar, que não se esquece quem parte, mas que tudo continua. Era isso o que tu me davas, pensei. E, confesso, gostava de saber se te perguntas sobre o que é que eu faço agora que não te tenho. Sei que não compreendes bem o que te quero dizer, é normal, menina que és, mas eu não me esqueço. Seguias-me, perguntando por tudo. Irias até ao fim do mundo atrás de mim, não irias? Esses olhos, esse verde forte.
Devia continuar, é isso que se faz, disseram-me.
Já passaram dois anos desde que se fez silêncio no teu coração e parece que nada mudou. Tive esperança, sabes, tanta esperança. Passei três meses a segurar a tua mão, esperando, cama 7, pediatria, ligada a soro, quase sempre a dormir, sedada. Lembro-me bem do quanto adoravas falar; pulavas, endoidecias com cada gato que vias ou com cada palavra nova que aprendias. Mas nesse tempo já falavas pouco, abrias ligeiramente os olhos, ficavas esgotada só de chamares por mim, baixinho. Era uma questão de tempo, disse-me a senhora da bata branca, que tanto adoravas, porque só ela te fazia caretas que te desmanchavam a rir. E como rias, e como conseguiste sorrir mesmo quando já não tinhas os teus longos caracóis loiros, dos quais tinhas tanto orgulho. As pessoas iam passando pelo quarto, em visita, uma após a outra, cheias de pena, e nada te demovia; houve até alguns colegas teus da escola, uns poucos, que vieram visitar-te com a professora – tinham autorização por escrito dos pais, porque o espectáculo assim o exige. E lembro-me tão bem de como ainda te tentavas levantar da cama para ir brincar. E de como conseguiste encontrar alguma força nos teus bracinhos para e agarrares, enquanto fingíamos que eras princesa e dançavas, e dançavas…
E foste tão corajosa, até ao último momento – a forma como a pouco e pouco ias aceitando a tua condição. Tu sabias o que se estava a passar, não sabias? Consegui percebê-lo os teus tristes olhos. Não deixaste o medo vencer, sei bem. E as saudades que tenho de ter de te esconder os chocolates para não comeres demasiados. Não sei por que acabou tudo assim. E eu sempre acreditei, sabes, percebo isso quando olho para a fotografia que tirámos juntos dois dias antes de teres finalmente descansado. Só me sabias fazer rir. E o quanto eu queria agora poder brincar contigo. Se tu soubesses o tolo que eu pareço de cada vez que confundo uma rapariguinha na rua contigo…
Mas que importa isso. Tenho saudades de ti, apenas isso. É difícil para um pai dizer adeus. Tinhas, tens, cinco anos e tenho as aos enrugadas de tanto ter contado os teus dias. Mas por favor não me digam que já é altura de seguir em frente. Não sabem.
Como poderiam sabê-lo?
P.
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