quinta-feira, dezembro 08, 2005

coffee shop philosophy


Foto: Cat.

- Eu preocupo-me, sabes. Para ti tudo é certo ou errado, bom ou mau, mas eu não funciono assim. Sou um rotundo talvez. Tens um sorriso de gozo por cada pedrada no charco que atiras com a violência das palavras, deliras silenciosamente como se tudo o que fizesses fosse capaz de abanar as fundições do mundo à tua volta. Mas eu não. Contento-me com o dia a correr-me de feição. Sou assim: não preciso de mais.
- Talvez por isso nunca faças nada de relevante. Tentas e tentas sem conseguires o que quer que seja. No dia em que os teus pais te disseram que não fazias nada da vida, decidiste arranjar emprego. Fizeste-o por eles, diria mesmo por despeito. No dia em que a tua namorada te disse para continuares com a tua vida, decidiste que havias de arranjar um hobby. Um estúpido qualquer coisa – tiras fotografias Às pessoas que não conheces e pensas que com isso captas toda a essência da alma. Tens pena de ti próprio, é essa a tua verdade.
- E por que razão não haveria de ter? Nem tudo é simples de definir. Nem tudo é automático como as memórias ou concreto como a dor. Nem tudo é intenso. Por vezes – tantas vezes – não há mesmo nada a fazer. Espera-se pelo que não chega. Não faço nada de mais, limito-me a aceitar a minha condição.
- E que condição é essa?
- Tu nunca me ouves…
- Ouço, sim. E é disso que já me fartei. Falta-te a acção, o ritmo, a vontade – reacção. Dizes que não precisavas de mais do que uma oportunidade, mas nunca te vi a procurar essa mesma oportunidade. Cansas a cabeça de tanto pensar. Cansas o corpo de tanto te sentares, pacientemente. Não me digas as tuas razões. Não quero saber. Pára de te explicar, de encontrara uma desculpa para a tua pessoa. Pára de fingir quem és. Não fales, por favor. Sei que és fantástico e tudo o mais, que um dia serás enorme, que darás cores aos sons, que muitos anos após a tua morte continuarás a respirar, a gritar e a chorar como fazem os humanos, que te irás fragmentar em pequenas peças e que te reconstruirás como o faz um puzzle complexo, sim, sim, sei tudo isso. E, no entanto, assim te resignas. Passas mais um dia nesta cidade, neste café onde minuto após minuto te vais desvanecendo e tudo isto por quê? Para me dizeres que tês um qualquer rigor tão pessoal por cumprir mas que ainda não chegou a hora? Quando será? De que raio tens medo?
- Sabes, não somos assim tão diferentes um do outro…
- E ainda assim eu não ando em círculos.




P.

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