Quando for grande...
…quero ser reformado. Poder dizer que no meu tempo os jovens eram homens aos 14, que hoje em dia são todos uns drogados que só sabem roubar. Que todos os políticos, sem excepção, mesmo os que não conheço, só querem é “poleiro”, que o que os médicos dizem é tudo treta, que os padres hoje em dia já não são como os de antigamente, que no tempo do Salazar é que era, que as reformas não chegam para nada. Quando eu for grande quero poder achar graças aos “Malucos do Riso” e chamar cuscas às mulheres dos meus amigos, também eles velhotes. Irei à consulta queixar-me de tudo mas dizer, Ó Sô Dôtor comigo tá tudo fino e com genica, mas olhe podia receitar-me uma daquelas coisas do Viagra ou lá o que é que eu e a minha esposa temos tido alguns problemas em fazer o avião descolar, se é que me entende. Quero fazer amizade com o chaffeur [diz-se chófer] da carreira que me leva ao jardim onde se joga dominó e ir em pé, mesmo junto a ele, a insultar os outros na estrada como ele faz e a dar indicações quando se chega a um sinal stop, Já pode virar a seguir a este encarnado – e esquecer que há uma razão qualquer para o facto de me ver obrigado a andar de transportes públicos. Quero poder babar-me um pouco e fazer um sonoro slurp enquanto como sopa sem que ninguém me leve a mal porque já não terei lá muitos dentes. Ressonarei bem alto durante a tarde, após o almoço; verei televisão e mais televisão só para poder chamar galdérias às actrizes brasileiras, e vou olhar para as minhas mãos enrugadas e acrescentar com convicção, para os meus netos, Aqui estão muitos anos de trabalho, e a miudagem vai rir e pedir qualquer coisa que, por essa altura, já não saberei o que é e acharei apenas, Eles hoje em dia inventam com cada uma… Vou ver os meus antigos colegas de trabalho, os meus amigos de infância, um a um, a desaparecerem, e vou pensar que sim, que o tempo passa rápido; quem sabe, poderei olhar-me ao espelho, sorrir de mansinho para a minha mulher e pensar, é verdade, vale sempre a pena. E de seguida vou passar a cara por água, lavar os dentes, tossir umas duas vezes e deitar-me, que já deverão ser umas dez da noite e quando o sono bate à porta é para se respeitar.
Não fossem as prováveis cólicas e diria que os melhores anos ainda vêm a caminho.
P.
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