domingo, julho 16, 2006

______________________- | , parte 2

Tinha o hábito de ir a Alfama às segundas e terças à noite, quando ninguém vai para os copos para a poder apanhar mais vazia. Levava óculos de sol para poder ver tudo o mais escuro possível, e metia-se nas ruas estreitas e subia e descia as escadarias que nem de dia se encontram. Era uma nadadora, uma mergulhadora. Sentia que o ar era um miasma púrpura, escuro, e as luzes dos candeeiros amarelas, coalhadas pelos óculos, eram tons de castanho no meio da escuridão total. Falava raramente, pois da sua boca saiam por vezes andorinhas de gelo ácido, sem o conseguir controlar, que batiam as asas freneticamente. O seu pai media quatro metros e meio de altura e tinha o dom da parca palavra como ela, não mergulhava. Na escola gritava quando lhe apetecia e mordia os colegas que falavam demasiado com ela, adormecia nos intervalos das aulas nos corredores de pé, encostada às paredes. Todas as noites uma cobra que não rastejava cor de prata a ia visitar ao quarto. Não conseguia encontrar palavras ou sensações que lhe fizessem exprimir a revolta que tinha pela serpente, sempre que esta lhe exortava a que tornasse a sua mente num ponto incindível branco de luz. Mas ela não o tentava porque tinha medo que morresse, e que a cobra lhe estivesse na verdade a exortar ao suicídio.
















J.

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