terça-feira, julho 11, 2006

América, o Mississipi, e outras Viagens.

Tenho uma paixão pelo rio Mississipi e pelas terras à sua volta. Uma paixão não assim tão antiga, mas ainda nunca mitigada. O Mississipi é uma zona mágica, considero-o, mas não pelas razões normais que tornam qualquer local mágico, claro. Imagino as estradas poeirentas cheias de Sol, as povoações de poucas pessoas, salpicadas de negros e brancos com os seus sotaques cerrados e provincianismo, uma bomba de gasolina e um café, e velhos pretos nos alpendres de casas de madeira a tocarem blues límpidos, verdadeiros, em guitarras ou harmónicas velhas. Calor que a minha paixão pelo Mississipi é a minha paixão pelos Blues, e vice-versa. Começo a descobrir, aliás, que já nem são tanto sequer os blues dos anos 50 e 40 de Muddy Waters ou John Lee Hooker, por exemplo, que mais me atraem; são aqueles blues cantados por mulheres, ou apenas por um negro qualquer desdentado e velho como a cadeira onde se senta, a tocar guitarra e a cantar com uma voz como se tivesse enfiado de barbear com aguardente pela goela abaixo. O pó das povoações, das carrinhas pick up e das loiras gordas com sotaque cerrado contrasta com os pântanos, mesmo ao lado desses lugares. Eu não sei, eu nunca os vi de facto, mas cada lugar mais invulgar e único tem o seu quê de ilógico, e é, provavelmente, o que acontece com o Mississipi. As casas esquecidas no meio do pântano, alcançáveis apenas por barco e rodeadas por crocodilos, o ar e a luz do lugar – tudo isso eu queria descobrir, um dia, acompanhado por um amigo silencioso ou uma amante que compreendesse que aquele lugar me chamava. Alugar um daqueles carros americanos que engolem às golfadas gasolina, e ir indo pelas estradas sempre rectas, que acompanham o percurso do rio. A ideia, mesmo que solitária, é romântica, é claro; e não posso pedir que, a toda a altura da minha viagem, ouça uma guitarra a dedilhar uns acordes cada vez que chegasse a uma cidade. Mas é o que eu quero fazer, um dia, se for aos Estados Unidos: nem tanto ir a Nova Yorke, por exemplo. Gostava era mesmo de conhecer o país dentro do país, os lugares esquecidos que, por mais filmes que se rodem, ninguém mostra; as vidas esquecidas de pessoas e lugares sem voz, alguns decerto mágicos e únicos, precisamente por, talvez, estarem esquecidos por tudo e todos.
Percorrer o deserto e desembocar em Chicago, atravessar todos os Estados ao sabor do contador da gasolina. Descobrir os pântanos, the marshes, the wet lands, descer o rio inteiro, e voltar ao ponto de partida, tentando estar pronto para regressar.
Estou certo que voltaria uma pessoa diferente. E é também isso, justamente, que mais me faz querer encetar essa viagem ao interior da América deserta, esquecida, estranha, surreal. À América pela qual eu, um dia, me apaixonarei.

Essa Viagem.














J.

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