sexta-feira, julho 21, 2006

______________________- | , - Parte final: Prefácio.

Vestia-se com cachecóis, lenços e calções. Ouvia jazz em segredo, porque não gostava de compartilhar o que sentia com ninguém, quando o tocava. Dedicava-se a encontrar lugares desertos na cidade – prédios abandonados, lugares de obras por acabar, túneis e esgotos a céu aberto, e gritava nomes de palavras que inventava nesse momento: palavras que faziam sempre sentido, como mangrévias, hexálicras, nerjatores de ciplodénico ninfomático, por vezes algumas eram belas. As palavras, digo. Vivia os dias como sketches de um quadro inacabado, mas esquecera-se, é claro, da ideia inicial – e final – de como ia ser a pintura. O pai deixou-lhe antes de se deixar afogar por horas líquidas duas lupas e a cabeça de um lobo embalsamada, que nunca falara. No início. Temera a serpente, mas aprendeu a calá-la pensado a preto e branco ideias repetidas, imagens repetidas e sem sabor algum. Tudo a aborrecia, até a sua própria excentricidade. Adormecia no meio do chão das faculdades, desejando que quando acordasse tivesse outra cara, e outro tipo de fomes. Maltratava o vento. Devorava-o, por vezes, mas acima de tudo era o vento que a cortava muitas vezes quando não se tapava bem. E quando ele soprava com mais força, as pontas de cigarros apagadas, as folhas, as pastilhas elásticas, as embalagens e o sebo das ruas e das estradas misturados com o pó fustigavam-na, e nem assim ela ousava dizer uma palavra de desagrado, apesar de sofrer horrivelmente. Quando a vi pela primeira vez foi à distância; acabara de se atirar ao rio e ficou a boiar durante pelo menos duas horas, até eu e um amigo meu nos cansarmos, também, de a ver. Acredito que ficou assim a noite toda. Na segunda sorria e, com as mãos, mexia em chamas que o vento apagava mas com o seu girar de mãos se acendiam novamente, raspando a sua raiva contra ela, chamuscando-lhe as pestanas e as sobrancelhas. Isto foi há poucos meses. Parece que foi há muitos anos. O tempo em que a vi, e não ela, porque está sempre presente. Suponho que sabe que fica mais nova a cada dia que passa, quando sai à noite e a Lua a queima, como se a sua luz fosse uma lama ácida. Por vezes repete palavras que não entendo, e é então que penso que até os animais podem amar o sangue verdadeiro. O sangue que cai, e marca como um presságio o dia que aconteceu, ou a mudança brusca, e eminente, que está para vir. O sangue que tem cheiro, medo e significado. O sangue que nasce nos olhos e na face quando é visto e que não morre. Essencialmente, era como uma figura a carvão inacabada. Impossível de se esgotar, ou de se nomear, em palavras ou lucubrações sobre quem seria de facto, quando um dia se aproximou de mim e me sussurrou ao ouvido algo que nunca mais vou esquecer.

Tal como esta história.




















J.










(pela ausência, as orais. Tenho a última para a semana, e se tudo correr bem, também a essa passo).

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