sexta-feira, novembro 03, 2006

Ontem.

olho pela janela, chove a cântaros, é a uma da tarde. Visto as calças, a camisa, aperto todos os botões, ponho a gravata. Ajusto o nó da gravata, aperto os botões de punho. Calço os sapatos previamente engraxados, mudo o meu dinheiro e cartões da carteira velha para a carteira nova, visto o casaco, ponho a carteira nobolso interior da direita, o telemóvel no bolso interior da esquerda, o tabaco no bolso exterior da esquerda e o meu leitor de mp3 no bolso exterior da direita. Parece estar tudo bem. Desligo a aparelhagem (tocava my morning jacket), pego na pasta da cabedal castanho e enfio para lá o código civil e as folhas preparadas com o tema - O regime português da simulação: aprofundamento e comparação com os ordenamentos jurídicos espanhol e alemão. Ainda não parou de chover. Sorte a minha. Guarda-chuva na mão direita, pasta na mão esquerda, saio de casa. Vou a passo para a estação. O comboio está a chegar. Lembro-me que me esqueci de comprar o passe no dia anterior. Corrida frenética, agora, para comprar o bilhete. Com a pressa, e o tempo, suo em bica até chegar aos corredores da faculdade, e depois suo mais um pouco. Vou ver na folha onde é a minha sala. Reparo que está escrito "último dia de orais" no papel onde a data diz 31-10-06. Entro em pânico, entro em raiva, deixei escapar mais uma oral. Mas não, não é possível. Vou à secretaria. Secretaria fechada. Olho mais uma, duas, três vezes, para o papel. Não me mente. Volto para casa em desespero - nova viagem, novo bilhete comprado quando era suposto já ter comprado o passe, fico a poucos números de acabar um sudoku que começo em sete rios num jornal que apanho num banco, dificuldade quatro. Entro em casa desvairado, dispo o casaco, atiro a gravata para uma cadeira, descalço os sapatos, arranco a camisa das calças desaperto-me todo, deixo-me cair derrotado no sofá, danado com a vida. Quando esfrio decido ir confirmar o horário ao computador. Lá está, não me mente: dia 2 de Novembro. Isto é uma partida cósmica, penso eu. Ligo numa fúria para a secretaria, espero cinco minutos que me atendam. Explico a situação com a voz esganiçada da indignação. João, leu mal o papel... de facto está lá escrito último dia de orais, mas por baixo disso estão escritas as orais do dia 2 de Novembro. Oh meu Deus. Oh meu Deus. E agora o que é que eu faço? Quanto tempo demora a chegar aqui? Meia hora. Meia hora...então vou fazer a minha boa acção do dia e avisar o júri. Desligo o telefone, volto a vestir-me à pressa, enfio a gravata de qualquer maneira, enfio a camisa por baixo das calças outra vez, calço os sapatos à pressa, vou buscar o casaco que atirei para a cama. saio a correr, pasta numa mão e guarda-chuva noutra, para um comboio que pode chegar a qualquer momento. Deus queria que não seja o Festas e a Sofia, Deus queira que não seja o Festas e a Sofia. Os nervos vão-me para a boca e a minha boca seca. Chego à faculdade e decido correr um bocado, agora que estou tão perto. Não me estatelo no chão por milagre enquanto me desiquilibro e faço bailados estúpidos. São quase as quatro e quarenta e a minha oral começou às duas. Será que ainda vou chegar a tempo, perguntei-me, Será que ainda vou chegara tempo? Sala onze-seis. David Festas e Sofia D'alte como júris. A arfar, entro na sala. Professor, desculpe, mas nem vai acreditar na minha odisseia...Conta-me a sua odisseia depois, corta-me ele a palavra, E terá que ficar para o fim.
Quando finalmente sou eu, faltam dez minutos para as quatro, já três alunos foram despachados, e eu ainda estou a arfar.


Não subi a nota.





J.

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