de mim.
Pensando bem, talvez tenha sido da tarde triste que tentámos remendar. Talvez tenha sido do que não soubemos dizer. Sim, é possível que seja sempre prematuro dizer que se resolveu alguma coisa. É certamente a magnitude do que perdemos que nos faz relembrar o que um dia decidimos aceitar.
Eu sempre pensei no adeus. Na força que acarreta, no que o torna tão bruto. No quanto nos embrutece, como se para os últimos instantes sobrasse sempre uma piada carregada de ironia. Sinto-me transfigurado. Sem delicadeza ou beleza alguma, sem nenhuma revelação, apenas me sinto.
E prolongo-me, Através dos dias que já não sei reconhecer, percepciono apenas as pequenas partes de mim que se vão dissipando. Um dia somos tudo. Na maior parte dos outros visitamos o limiar da incerteza, povoamos o espírito com a desconfiança típica de quem aprende as lições pela força de um estalo.
- Mas controlo-me -
Faço-o como se fosse um lamento, como se tudo o que algum dia me pudesse iluminar já tivesse sido descoberto. Como se cada vez em que se procura a poesia dos momentos que compomos, se tentasse apenas evitar o óbvio.
É cansaço; porque tudo é cansaço quando esquecemos por que se luta. E há sempre algo que toca as paredes do demasiado. Há sempre algo que vai além do êxtase, que vai além da esperança, que vai tão além que só se torna visível durante um pequeno nada. E enfim fragmenta-se.
Hoje decidi terminar a minha fome dos sentidos. Hoje decidi que há procura, ainda, pois de tempos a tempos só a dura confusão nos mantém alerta. Hoje decidi-me pela indecisão de quem são. Um dia criarei um outro eu qualquer. Um eu que não se lembre de mim e que me abandone. Um dia serei a minha própria mercadoria perdida - serei peça sobre peça, um simples puzzle de desejos e frustrações que um dia teve P. como nome.
Um dia já não me serei.
E vou esperar. Sentado no chão, encostado a uma parede qualquer com os dedos a prender os cabelos vou conseguir visualizar-me para além do cansaço. Vou deixar de pensar em mim. Estarei resolvido como jogo e como ser. Derrotado, esquecido de mim próprio, abandonarei o meu corpo como se me limitasse a trocar de pele. E com os dedos a agarrar com ainda mais força nos cabelos, vou dizer baixinho que Já não sou. Com sorte, sem nunca ter sentido raiva, perante o meu último esquisso de lucidez, vou acabar. Recordando o óbvio.
A inspiração é uma mentira. E amar é pouco mais do que um grito.
P.
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