quarta-feira, março 07, 2007

O Mundo Moderno

Não tenho medo do mundo lá fora,
Do mundo moderno nem tenho medo dele
O mundo moderno está cheio de caras conhecidas noutros tempos,
Em que eu era fantasma, e escritores que só publicaram fumo
Ou caçadores de porcelanas foragidas

Os dias continuam a ser bem reais cá dentro, cá dentro
Onde está bem quente, e o mundo moderno não chega
Para matar o ócio das horas em que percorro
Os labirintos da mente e chego sempre ao ponto onde comecei
Que foi talvez amar-te? Yá,
Que foi talvez amar-te.!, perto do fim de uma música
Mais moderna como o mundo que reneguei
Quando nos despedimos ante o Céu pregado a sangue e nuvens numa utopia de sentidos.

O mundo moderno tem folhas no Outono que cheiram
A infâncias violentas e a ferocidades indolentes
E os teus dentes e os teus cabelos estão pregados às árvores como os ramos
Que os miúdos não destruíram ao sair da escola,
Prestes a vingar
E eu percorreria noutros tempos esses caminhos com tempestades eléctricas
A senti-las na mente e dobrava-me no chão
A dor deixava-me feliz porque pensava
Eram epifanias

O caçador de porcelanas foragidas ouviu o meu grito ao longe
Ninguém me caçou, nunca me apaixonei pela tua sombra
Mas ouviste-me um dia estava eu a pregar o fim do mundo como não o conhecemos
E decidiste que eu talvez não fosse ridículo no meu desespero
E os teus amigos com pinturas a óleo na cara sorriram como o Grito do Munch
Foi amor à primeira vista com o narcisismo do teu próprio contemplamento
E o mundo moderno sorria também, a observar
A forma como as realidades todas equidistantes
Se dobravam entre si justamente naquele momento mais específico
E totalmente impróprio e improvável.

O mundo moderno renegou-me ou eu talvez a ele
Quando os livros todos ganharam asas e escolheram nomes sem usarem letras
Os rios fizeram greve ou talvez foram os meus olhos que se inverteram, como
A minha paixão por ti, ou a minha loucura
Por tentar encontrar o belo nas coisas mais impróprias
Foi a minha loucura ou foste tu?

O castanho dos dias volta a regressar,
Por si mesmo
E o meu amor pelo mundo moderno acabou
Eu era ainda humano (ou
Era o mundo que não estava cheio deles), e os prédios cantavam canções
De saudade e perda, como as pessoas
E o mundo moderno aplaudia dentro de si mesmo
E eu voltava a partir em mais uma viagem interior
Pelo comboio, ou pelo cosmos
Antes de te vir ou imaginar que não existias,
E era feliz,
Nos meus sons
E nas minhas impossibilidades, e tinha sono
Por vezes, tinha sono
Mas gostava do meu nome
E gostava de perder coisas, de regressar, de me voltar a encontrar
Quando as coisas ficavam mais complicadas…
Mas reneguei a existência de mim mesmo
Por ti, ou talvez por mim
Por achar demasiado insuportável estas noites e estas manhãs
Cinzentas ou cheias de sol a prometerem esperança
Quando se conhecessem o teu nome
O próprio mundo se fechava em si mesmo
Em agonia.




J.
Feito hoje, para A Navalha

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