Crítica a "Dragan com a sua espada Steel Blade nas montanhas de Rorix.
Deus ouviu então a voz do rapaz, e o anjo de Deus chamou Agar desde os céus e disse-lhe: “Que tens, Agar? Não tenhas medo, porque Deus tem escutado a voz do rapaz ali onde está”(Génesis 21:17).
Esta poderia ser a sinopse para o cenário cinematográfico, diria épico, que temos perante nós. Peço-vos agora que centrem a vossa atenção no quadro exibido mais abaixo.
J. mostra-nos todo o seu potencial para as artes de expressão visual, narrando, em autêntico manifesto, uma evidente cena do quotidiano das tripos nómadas da Mongólia. Toda a obra está progressivamente impregnada de uma pureza e libertinagem criativa que poderia remontar aos finais do séc. XI, na urbe parisiense. Reparem agora na feroz mancha rosada que, vista num plano único, se trata de uma fogosa Fénix. Na verdade, todos os traços passíveis de incongruências são anulados – J. não se fez rogado e exibe-se em todo o seu esplendor, fazendo um claro tributo aos impressionistas russos. Simplesmente brutal. Se piscarmos os olhos por três vezes, toda a obra ganha um movimento aparente, uma esclarecedora mutação andrógina. É de aplaudir, meus senhores, de aplaudir em pé.
É claro que todos nos questionamos: que figura irracional é essa que dá pelo nome de dragan?
Primeiramente, este opúsculo não pode ser devidamente admirado sem termos em conta as consequências do ponto de vista crítico: politicamente, é um grito dos mais oprimidos; sociologicamente, é dotado de um terrível capacidade para abalar as fundições históricas sob as quais se cimenta todo o sistema vigente.
Em segundo lugar, para além da contemporaneidade deste gesto artístico, não consigo deixar de crer que se trata de uma obra extraída das entranhas sentimentais feridas de um artista revoltado com os caminhos sinuosos pelos quais o pós-modernismo tem enveredado. O cenário idílico, as montanhas escarpadas, que, se observarem com atenção, atormentam o nobre poeta-ninja (que assume aqui contornos nitidamente auto-biográficos) de cabelos revoltos, são trespassadas a sangue frio pelos navalhantes caminhos-de-ferro.
Que ousadia!
Atrever-me-ia a dizer que se trata de mais uma subtil (mas tão gritante) crítica ao violento progresso. Uma dicotomia estrondosa! Não consigo evitar verter uma lágrima ao imaginar o sofrimento deste jovem, órfão de pais num mundo que não tem respeito pelos valores familiares.
Obrigado, J., pela perfeição na execução de tão complexa empresa artística. Este fenómeno de expressão gradativa, que perpassa todo o quadro, é um claro sinal do fim dos tempos. Todas as personagens intervenientes mesclam-se num psicadélico bailado que parece aproximar-se, a passos largos, perigosamente, do penhasco. As dúvidas incessantes! A tensão!
Apraz-me dizer que admirar algo assim é uma necessidade moral. Só nos resta a todos nós, comuns mortais, rezar pela brevidade de futuras criações por parte deste génio monstruoso, J., que ruge para a tela, dando-nos um vislumbre concreto sobre a decadência dos tempos vindouros.
P.
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