terça-feira, março 14, 2006

O psiquiatra.

Sexo, sexo, sexo. Só consigo pensar em sexo.

[um homem de meia-idade, baixo, careca, entra no consultório]

- Está a ver este relógio?...

é sempre o mesmo. Vai falar e falar durante uma hora num violento monólogo.
Quero sexo, quero algo, porra.
Não tem vida pessoal, profissional ou de qualquer tipo, mas é um traumatizado que para aí anda, sempre a queixar-se de que tudo lhe corre mal – nunca lhe ocorreu que mais valia gastar o dinheiro a engatar alguém ou à ir As meninas, que seria o mais provável. Mas insiste em vir aqui, esperançado.
E eu preso, aqui, a aturá-lo como e fosse uma ama-seca qualquer. E tenho de ser um bom profissional, mostrar-me interessado e dizer-lhe que hoje parece mais bem disposto, a ver se assimila alguma auto-estima – já nem preciso de lhe dar conselhos.
E poderia estar a fazer algo tão melhor neste preciso momento.
E o homem já nem ouve nada, só fala. De tudo e de nada. É um frustrado e faz-me sentir o mesmo é irónico, deve ser contagioso.
Não me pagam o suficiente para isto.
Parece que o tempo se preguiça e insiste em adiar o fim do suplício. E eu farto-me, mas
Mantenho um ar sério
cruzo uma perna, descruzo,
cruzo a outra,
limpo os óculos, olho pela janela ( já chove);
canso-me.
Se ao menos ele se calasse por um pouco…
Sou bem capaz de lhe receitar calmantes para tomar antes de vir para aqui, pode ser que fale menos ou, caso seja um tipo mesmo porreiro, exagere na dose e tenha de ir para ao hospital. Era um favor que me fazia – e a ele também, entenda-se.
Mas estou farto.
E continuo desesperadamente a tentar afugentar as imagens de mulheres nuas que tão docemente se intrometem na minha mente.
Tempos houve em que quis mudar de emprego, tirar um curso qualquer e ficar famoso, algo assim. Mas é sempre complicado, já não bastava a falta de sexo e ainda tenho de me preocupar em pagar as contas. Eu é que preciso de terapia, não este rol de imbecis que entram por aqui adentro, mas não. E no meio de tanta gente, tinha logo de calhar a mim a sina de o aturar.
Preciso de um milagre, preciso mesmo de um milagre.
Caso contrário vou continuar a ir para casa com vontade de dar um tiro na cabeça; já não faltou muito, confesso, faltou mesmo muito pouco, para dizer a verdade. Só a arma, entenda-se. Mas até lá vou ter de continuar à espera do estupor de um milagre…

- …Bem, sô doutor, até para a semana à mesma hora.

E só me apetecia rebentar

- Lembre-se de pensar positivo – disse-lhe

E então percebi que não passava desta noite.




P.

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