terça-feira, julho 25, 2006

ENSAIO: 1.

Hoje passei na minha oral.
Festejar? Diz-me o hipopótamo que submerge o ponto sem retorno. Havia uma história, uma pessoa, uma óbvia razão mas a onda de luz (a onda média) conheceu a onda curta antes de toda essa história, Festejar claro de uma maneira qualquer (Mas ouve: as travessias no deserto são travessias ao teu próprio silêncio, vendo o calor flutuarejar entre as dunas, tropeçando nas escamas das cobras de armadura e das serpentes com ou sem chocalhos. Os tuaregues comem tâmaras e desenvolveram relações de fala especiais com os camelos. Existem camelos no deserto, camelos e homens e casas de barro nos desertos; e
)

No deserto de sal o trabalho enquanto todos os seus ângulos de percepção mudavam consoante a luz do dia era o de arrastar os carris para o comboio, sorvendo sal de um lado e cuspindo água de outro, pudesse passar. Os carris estão presos a uma plataforma móvel de sal-gema que por sua vez está suspensa numa fina camada de água cheia de sal, sal por toda a parte no corpo do rapaz que puxa os carris para o comboio poder passar e sugar o sal, o sal, no deserto ninguém consegue comer ou fumar ou foder, o sal ou a areia ou os ventos dão cabo de tudo, e nem falemos da tundra, quando a tundra

O ERRANTE (de chapéu de abas largas, cabelos longos encaracolados, bigode, pêra e capa negra) – perscruto a infinita escuridão na alba dos caminhos cheios de giestas, ciganos, pó e cafés com calendários parados no seu próprio tempo. Ouço os respirares dos jovens secretos que fogem dos seus próprios vícios, aqueço-me nas fogueiras acesas junto à boca dos pescadores que aquecem as águas das praias desertas nos Invernos. Mas ainda assim, só consigo cheirar a morte por todo o lado, onde quer que vá só cheiro morte, não consigo de deixar de sentir a morte por toda a parte, morte, morte

O hotel é velho, antigo, e lembra-lhe uma casa cubana. Há um silêncio de pó que não é estranho. Está entranhado; o vento não é forte. Aproxima-se. Pelo Sol, é de tarde. Não repara no pormenor mas segura a mala, castanha, com mais força; numa só mão.
- Queria um quarto.
A sua voz é precisa, e distinta, na sua feminilidade, enquanto entra no hotel circular, cujo tecto se prolonga até ao fim do edifício, mas não surpreende as mexicanas, que a viram entrar, de cigarros na boca e encostadas de pé às varandas interiores.
- Si. Para esta altura?
O recepcionista responde-lhe depois de ela ter premido a campainha, e lhe ter feito a pergunta. Apesar disso, ela estava mesmo à sua frente.
- Por umas noites. Não sei se é incómodo, ou tem algum problema.
O homem muito queimado, e de laço, passa um braço por cima do balcão e apoia-se nele. Olha para os olhos fundos da mulher, por um momento.
- Não sei se vai encontrar o que procura, señorita – disse-o neutramente, não estranhando nada,;. o assunto como se fosse comum.
Suspirou e pôs uma madeixa de cabelo atrás da orelha.
- Estava a pensar em ficar por umas noites. Umas duas ou três, se não se importar.
- Vai a algum lado?
Quer lembrar-se, de alguma coisa. ,Mas, não rápida.; Olha para uma janela, e o Sol, agora grande, e laranja, cria reflexos seus na praia, e no mar. numa tabuleta na praia, mas muito ao longe, está escrito Esta, é a noite das facas longas.
- Procuro um sítio para ficar.
- Veio ao lugar certo, señora – tira, atrás do balcão um livro largo e preto. Passa dois dedos pela língua, algo lentamente, enquanto pega numa caneta presa a um fio.
Ela olha para o lado. O mar, lá fora, parece o arquétipo de uma música. Procura pelo maço do tabaco, onde o tem sempre, no bolso direito; a mão cega. Percebe.
- Não sei se havia um passado antes do dia de hoje
O sotaque cubano no empregado, por todo o lado

O ERRANTE – não consigo mais fazer qualquer travessia, cego, cego com o vento que me fustiga a capa e o chapéu e os meus olhos ressequidos, o vento grita-me nomes tentando fazer-se entender mas eu não percebo a sua linguagem, tento gritar também ao vento mas não consigo, da boca só me saem peças de teatro podres, não sei o que o vento diz e nunca o vou entender porque vou cegar, onde estão as freiras ardentes das ruas, onde está o cheiro a sardinhas assadas no pão misturadas com a sujidade lamacenta das calçadas, não vejo nada não consigo ver nada e tudo o que posso sentir é o vento a fustigar-me com os seus gritos os seus desabafos e a sua raiva toda contra mim e sempre este cheiro a morte na ausência de silêncio pelo vento, e cega

- Que te disse o médico?
- Tenho Sida.
- Tens Sida. E que é que o médico achou disso?
- Vou ter de começar a fazer retrovirais e a ter que tomar comprimidos a horas certas, e a fazer sexo com preservativos
- Tens Sida, vais morrer. Já estás completamente morta.
- Não, calma, é uma coisa normal no sentido de
- Tu estás morta morta morta, já estás morta! Estás morta!!

(o Errante esconde-se debaixo da sua capa sem dizer uma palavra e desaparece na escuridão)

- hahahahahahahah, hahahahahahahah!
Os pilares do salão suspenso no ar partem-se como vidro, as cordas da harpa que o sutinham retesam-se, partem-se, as magimoladoras que as tocavam gritam horrorizadas pelo chão se abrir em rupturas de grandes bocados de rocha, e mosaicos e espelhos duplos que, se terem nada para os prender, se estilhaçam no maior número de bocados que podem antes de subirem inexoravelmente ao céu, as anciãs quase-semi-menopáusicas chegam a encontrar um sabor a sangue no fundo da faringe quando arranjam todas as forças possíveis e imaginárias nas suas gargantas para gritar, e, estilhaça-se é certo o salão suspenso abrigado por um céu amarelo quando as águas jorram descontroladas dos pórticos que derrocam, é sempre o sinal que inaugura o fim, quando os pórticos deixam de segurar as águas e elas jorram, jorram, livremente por todos os lados, aspergindo tudo com a falta de sabor, à falta de melhor, girada da roleta

(A viajante une os dois desertos iniciáticos, e enceta-se a procurar o Errante, que desapareceu, entre os mundos juntos e fragmentados pela falta de sensatez de palavras, jogos de memórias e divergências sobre quais as coisas que deviam ter o dom da palavra. Demora o silêncio a instalar-se, os caminhos que, ao procurá-lo, desbrava, são outros. Adormece-se uma réstia de cinza de sémen, à esperança de cola, entre cada lapso temporal acertado e reorganizado por uma questão de conformidade com a palete de cores de cada dia. A viajante parte. É uma nova promessa que é esquecida.)

cala-se o hipopótamo, finalmente convicto que é único ser que resta vivo no mundo.











J.

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