Ideias.
Gostava de poder fazer sexo, do princípio ao fim, sem dizer uma única palavra: uma única; nem mesmo quando terminássemos e ficássemos, dois guerreiros derrotados nos braços um do outro, ou enquanto me vestia para me ir embora, de costas voltadas para a cama; ainda assim, ainda aí, sem dizer uma única palavra. Falar aborrece-me profundamente, distrai-me de tudo o que possa estar a pensar ou sentir.
Acabam connosco, e sabemos como é: o mês ou mês e meio de sentimento amargo na ponta das mãos e vazio a saber a plaquetas dentro do estômago. Não poderia ser ao contrário? É como se perdêssemos um do, talvez: eu sabia pintar, e agora – já não sei, mas pintava, maravilhosamente. Agora já não. Agora estou à espera que as mãos cresçam de novo. Mas as mãos serão novas, diferentes – e nunca mais pintarei da mesma maneira. Todos os meses amigos meus acabam uns com os outros. Eu vou assistindo e nunca deixo de me fascinar com cada história.
Odeio metáforas prolongadas mais ainda do que aquelas pessoas que gostam de teorizar se o amor verdadeiro existe ou não. Não por saber a resposta, mas por isso ser, para elas, totalmente irrelevante. Quem o sente é chamado de mentiroso, que nunca o sentiu passa a vida a especular e à procura dele, mesmo que inconscientemente.
Era fácil se existisse um terceiro olhar, e se existisse um quarto, uma paragem brusca; espera, deixa-me voltar atrás. As pessoas que se tinham cruzado no meio da rua conhecer-se-iam e tudo o resto poder-se-ia, eventualmente, seguir.
Ultimamente tenho andado siderado com a obra musical da Lena d’Água, nos anos setenta, oitenta, no psicadelismo português (só se fumavam uns charrinhos mas ainda assim o que aquela hippie marada fez ainda hoje é bestial)
Decidi há uns dias comprar uma harmónica porque quero aprender a tocar alguma coisa, alguma coisa, e se quero aprender algum coisa, mais vale que seja um instrumento do qual eu goste bastante e que, também, já agora, me caiba dentro do bolso.
Quando penso em estilhaçar uma miúda, a ideia estilhaçar-se vem-me mesmo à cabeça, com um deserto como pano de fundo e tudo, e não fodê-la até se partir toda. A libido está onde está, e eu prefiro sempre o irreal ou o surreal ao banal e previsível. Tenho sorte porque o meu cérebro partilha da mesma opinião.
Não sei fazer nada bem, nem sequer escrever, descobri isso há uns tempos. Toda a gente descobre isso eventualmente, e é aí que decidem que mais vale focalizarem-se na sociedade que nunca conseguirão romper, vivê-la ao máximo respeitando todas as regras e bajulando outras, para tentarem ficar ricos. Todos, à sua maneira, se perdem no caminho, e eu também me vou perder, de uma maneira ou outra, quer queira quer não.
O P, foi-se embora e não disse nada, mas pelo menos, por uma semana, não postará n’A Navalha – devido às suas ausências, reparo agora, esta não deve ser notada.
Crio imagens na cabeça que nunca me abandonam, são mais polaroids ou pequenos filmes de pouqíssimos segundos que passam, sempre, sempre, da mesma maneira. Quando a vida se conjunta para, num acaso de proporções totalmente cósmicas, me permitir finalmente realizar essa foto, essa montagem, esse pequeno slide show de acontecimentos, mudo sempre pormenores que, até essa altura, achava que tornariam o acontecimento imperfeito – justamente por não pensar neles.
Há uns dias atrás estava encostado a uma janela num prédio que parecia que ia ruir a qualquer instante. Lembrei-me de todas as frases clichés que se poderiam dizer naquele momento se caísse, como cada uma das pessoas que conheço reagiria, virei as costas e, numa casa que não era a minha, de repente não estava ninguém. Tinham-me deixado sozinho. Por momentos senti-me verdadeiramente sozinho no mundo inteiro – se alguma vez o tivesse sentido inteiro, claro.
Gostava de ir à Mongólia e o P. já me pediu para escrever sobre isso. A verdade é que já escrevi, aos dezassete anos, e talvez faça um post sobre isso. Entretanto: reparo que a minha voz muda consoante as pessoas que estou. Com os meus pais é quando ela fica mais aguda e feminina, com pessoas relativamente normais é normal, suponho, e reparo que sussurro muito, falo muito baixo e com uma cadência particularmente metálica, quando estou ao pé de alguém por quem sinta algum tipo de atracção.
Não tenho certezas, e não sei sequer se isso me aborrece ou me aflige – ou talvez diverte.
Tenho esta ideia: o perigo que se deve sentir ao fazer sexo com uma tipa cigana. Se os ciganos descobrissem, ou só alguém da família (suponhamos que o acto acontecia no próprio acampamento, quando todos estivessem ocupados com as festas de Verão), o que seria da minha vida. Por outro lado, o perigo e o depois (o facto de ela contar ou não) desse perigo devem ter o efeito de um autêntico afrodisíaco.
Já é tarde, apesar de ser ainda de tarde. Lá fora, na piscina, alguém treina mergulhos, um cão ladra um pouco ao longe, o calor estala pela casa, branca, toda.
Nos sofás que me são estranhos onde durmo, os cabelos molhados de suor, alguém me acorda com um beijo.
J.
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