sexta-feira, dezembro 01, 2006

- J., J., vem ajudar, vem ajudar!
É o som que corta a rua que me faz voltar a cabeça. Uma miúda de sete anos corre desvairada para mim e explica-me, o meu pai morreu quando tentava sair da boca do leão, e tu és o único que pode ajudá-lo.
Thunder up!, penso eu, mas a verdade é que não posso fazer nada. Chovem emos e caem com baques surdos no chão. Danificam mais os monumentos que as pombas.
Não posso fazer nada, já te disse, não posso fazer nada! Continuo a andar e afogo-me num oceano de oxigénio.
Passados dois meses acabo de descer a avenida – aproximo-me do final. Ainda é de manhã como quando irrompia ferrugem líquida do chão e toda a gente me dizia
- deus deus deus és deus deus deus deus
Mando os cornos contra a parede, decido adormecer. Revolto-me, lentamente, enquanto caio. É quase bonito. Mas não é bonito. A avenida, no meu sonho povoado de asmas devido às escuridões, puxa-me de novo para cima.


Ana?


Hã?

- J., J., vem ajudar!
Uma miúda corre na minha direcção, mas de uma rua que corta o passeio sai um homem furioso
- jaaaaaa te disse para não te meteres com esse gajo! – tram! Agarra na miúda pelo braço esquerdo e usa a própria força dela para a atirar com toda a força contra a parede. J., J…., diz com os dentes a saltar e a boca cheia de sangue. A morte está afogar-se no rio Tejo…
Rio-me imenso, puxando a cabeça para trás, mas depois esqueço-me do que ia a dizer. O pai espanca a miúda até deixar de ter sete anos e se tornar numa massa de carne disforme na rua com pouco mais de trinta segundos, ainda quente. O passeio ainda se ri até se partir todo e os emos caem, ainda de vez em quando com baques secos. Deixei o meu carro na garagem. Começo a apagar-me. O mundo, parece-me enquanto me branqueio, é para outras pessoas o
viverem.




- então é assim?
- já estou atrasado. não posso continuar a fazer essa força toda, rasga-se-me o fato. estás confortável?
- vai-te embora, então, peço à Márcia para me ajudar. Levas a esfera?
- amanhã dou-ta quando formos jantar fora.
- de qualquer maneira, ainda faltam mais de sete anos.
- ok. Até logo.


Sons de uma porta a abrir-se, chaves a serem tiradas, entra um feixe de luz pela míriade de vidros

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