domingo, fevereiro 11, 2007

Cartas ao meu sossego, parte II.

Hoje é o dia.
Está mais velho. Cabelo grisalho, parece tão cansado.
Ela pode vê-lo.
|| Dá-me a mão, por favor. Vá, anda lá, já pareces o teu pai, sempre sério, como se estivesse sempre à espera que algo de mau aconteça. Ainda temos três horas até o teu táxi chegar, não vamos ficar aqui sentados a olhar para o ontem! ||
Se tivermos alguma sorte, pode acontecer que por duas ou três vezes, numa vida inteira,
o Tempo descansa um pouco da sua eternidade só para nos ver. No tempo de uma simples e pausada respiração, a terra pára de girar por um instante, e nesse instante dá-se um pequeno passo, alguns anos no futuro, e quase que o podemos tocar ao de leve.
Ao de leve.
É assim que ela mexe no cabelo, numa timidez falsa. Conhece-o há demasiado tempo para se sentir nervosa, mas tem, ao dedilhar no seu cabelo, o toque de toda a força de uma feminilidade que sempre o deixou enternecido.
Ele, ainda ofegante, vai esperando.
Ela deixa a pausa prolongar-se.
Sabe que a cada segundo que passa vai crescendo, aos olhos dele, até se tornar num gigantesco ser que já ultrapassou os céus da cidade que os juntou.
Do outro lado da rua passa um miúdo. Percebe-se pelo andar pois a cara está encoberta pela sombra do capuz. Olha de relance, para o homem e a mulher que estão parados. Hesita, por momentos, se deve parar, mas continua; caminha agora mais decidido.
Ela dá um pequeno passo, silencioso como os passos dela eram sempre, e aproxima-se um pouco. Vamos agindo, assim, pois são tantas as vezes em que não nos apercebemos do que faz o nosso corpo quando nele pensamos que estamos a mandar. Parece que nunca pousa os pés no chão, pensa ele, enquanto ela se vai aproximando.
Estão agora a alguns centímetros de distância. Ele já não tem a cigarrilha na mão. Ela estica devagarinho o braço até o tocar na face, passa com os dedos pela barba que ele decidiu não fazer por uns dias.. Os dedos. Sempre pensou poder sentir todas as memórias com a ponta dos dedos. Baixa a mão, sempre em contacto, descendo pelo peito abaixo, até lhe segurar na mão. Aperta-a com força. A chuva, o frio, tudo à volta deles faz um pequeno esforço para se mostrar um pouco mais meigo. Começam a caminhar, lado a lado, no mesmo andar sincronizado, como se dançassem ao ritmo da música que inventaram nas suas mentes. A mesma música, a mesma ansiedade, agora a mesma calma, agora que estão juntos, já em sossego.
|| Eu disse-te que ia ser divertido… Um dia destes vais ter de começar a acreditar nas coisas que te digo. ||
Sem nunca se falar, podemos vê-los agora a afastarem-se.




P.

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