quarta-feira, abril 13, 2005

grito mudo.

É o ataque brutal das gentes míopes vindas das profundezas do desespero a cada noite todas as noites infindáveis gritos que não podem ser domesticados Deixem-me mostrar-vos o poder que há em mim arrancado e trespassado não o podem saborear não o podem sentir deixem-me dizer-vos o todo que há em mim por medicar deixem-me berrar sangrar e tragam-me de volta o sono porque hoje estou para vos foder o juízo e se alguma sorte me restar poderei saber quando foi que decidi enlouquecer porque esta noite sou o animal feroz de mim próprio e tornar-me-ei toda e qualquer sensação porque o que há aqui não poderá sobreviver aos ventos furiosos ciclónicos que querem chegar que estão a chegar para arrancar tudo o que insiste em resistir e não desiste e persiste e perante as dificuldades sobrevive mas mais não já não pois estou sequioso de vingança E acho que ainda subsisto mas as ideias fogem-me do papel como se fosse uma manada de bestas em fuga por entre campos e palcos onde se conta a história do artista que foi baleado no clímax da peça e elas fogem e estou faminto e tudo isto terá de ser meu ainda antes de desabar a cidade que se pintou de cinzento e qualquer um dirá que as hipóteses são ínfimas mas eu não as vou deixar fugir serão minhas ainda antes de o meu braço doer ainda antes de fracturar o pulso e toda uma vida por ter falhado uma palavra E não há bom senso não há humor não há vontade apenas o prazer característico dos debochados que aprendemos a ser somos débeis somos fracos somos tão tristemente humanos e matem-me a lucidez e matem-me a moral e matem-me rebentem comigo façam de mim explosão e permitam-me que me torne a luz opaca que nos cega a cada segundo de contemplação da nossa própria fragilidade a cada segundo em que julgamos ter esquecido as podres origens do raciocínio e de quem somos




(permitam-me uma pausa.)




A cada instante que esqueço quem sou sinto vontade de cravar no coração a navalha que me tornará imortal e as paredes brancas que enclausuraram o silêncio parecem agora derreter sem forças suficientes para suportar os dois mil graus centígrados que o ardor que respiro projecta e se alguma forma de salvação existe ela está aqui em cada célula que se irá disseminar e eu já não sou quem era mas não me encontro sozinho nem no vazio pois somos todos vitimas das nossas próprias certezas e não há nada nem ninguém que nos possa defender quando tudo o que temos à nossa volta não passar de ruínas que um dia fizeram uma civilização e esqueçam todos os beijos maternais e abraços fraternais que um dia vos deram pois para lá deste tempo haverá um mundo novo uma outra dimensão onde o céu se reveste de vermelho e a chuva é ácida e as árvores são monstros que esbracejam a cada brisa e parecem murmurar o nosso fim parecem prontas a agarrar-nos e a chicotear cada osso do cadáver em decomposição e que já somos mas não queremos acreditar Não queremos acreditar e há por isso um preço a pagar Meus amigos sou um escravo de mim próprio e o crepúsculo que se aproxima chegará para tomar conta de mim e não há nada que eu possa fazer estou cansado e perdido vagueio sentado nas minhas sensações ouço guitarras e tambores tribais ouço vozes roucas que me querem ensinar o que devo fazer e a brutalizante melodia derrotou-me e já não passo de um parco reflexo do miúdo que em tempos habitou no meu corpo


(…)


Preciso de tempo para o que se segue:





Se esta noite eu enlouquecer por favor digam a quem me conhece que um dia tive um nome que agora esqueci que um dia dancei freneticamente como se fosse a última coisa que me restasse fazer em vida que um dia tive voz para murmurar um simples desejo que um dia vos observei gentilmente e se tudo isto não passam de sonhos que alguém como eu não poderia viver então tenham comigo a mesma delicadeza que sempre tive com vocês Escrevam no meu epitáfio um simples até logo por nunca aprendi por mais que tentasse a dizer adeus e se nem esta amálgama de palavras é suficientemente esclarecedora então venham comigo Viajaremos através dos anos que levaram ao meu desaparecimento e desta vez não haverá vazio que nos baste e desta vez não haverá angústia que nos cale somos humanos e nem por isso pensamos somos humanos e só por isso resistimos apaguem por breves momentos o espírito solene que há em cada um já que neste exercício de ferocidade dispersa ele só nos poderá atrasar na longa marcha que ainda temos pela frente que jamais terminará enquanto o nosso mais curto suspiro não estiver carregado de poesia E no novo mundo imperial seremos tão somente nós mesmos E quanto a mim só vos posso dizer que testemunharei à distância enquanto procuro no âmago de mim mesmo as respostas a todas as questões que um dia me atormentaram e até me deliciaram sempre com uma única certeza na minha mente – Nunca as poderei encontrar.






Tenho sono. Tenho tanto sono que só me apetece…dormir.





Até logo.







P.

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