deformações. - o idiota, parte três
Os anos passaram e ele não sabe quem herdou o seu mundo. Podia ter sido um dia de sorte. Acordou. Com uma cara feia. Queria um abraço maternal e como era reflexo materializou-se em cristal. Nunca quis ser como era. Era ele próprio, como explicá-lo. Chegara o tempo de partir. Quem poderia ser, a tocar à porta? À porta dos seus dias. Soçobrou. Refilou. Apagou as luzes que o magoavam. Não conseguem ver o que eu vejo – perguntou. Era um mundo assim para o grande. Muito branco. Muito frio. Toda a gente lhe bateu. Eu ainda vou vencer, disse. Chegara o tempo de partir. Falavam dele em colóquios paranormais. Para anormais. Chamaram-no de mutante e choraram a rir. Dele. Do que tinha para fazer; sentiu-se frustrado. A vida é dura, mas eu também sou, gritou. Aproximaram-se. Socaram-nos. Quem vive aqui sem discernimento, quem lhe fode o juízo, quem fala dele como sendo um erro. Certa vez balearam-no para preencher o vazio da sua vida. Esburacaram-no junto ao estômago para encobrir a sua deformidade. Não conseguem ver o que eu vejo – insistiu. As sessões de tortura funcionavam como um zumbido no seu corpo, percorrendo-o; quantos volts de pancada pode a carne suportar. Houve um dia em que ultrapassou os seus sonhos. Como manter-se em pé quando se sentia desfeito. Convencera-se de que as pessoas bonitas um dia o tratariam como igual. Quis que sentissem a sua falta. Se ao menos encontrasse alguém que se preocupasse. Não sabia se o compreenderiam quando falava de tristeza; sentiu-se quebrar. Podia ter sido um dia de sorte mas sentiu-se violado quando lhe despedaçaram a mente. Dormente. Anestesiado. Demasiado bom para este mundo, demasiado bom, dem…
Que sinistra figura era esta que lutava para não se desmembrar.
Macabro –
Nada se escondia nele. Houve até quem dissesse que ele não poderia ser assim tão louco. Mais perto. Num acto final de indignidade obrigaram-no a sorrir para a fotografia enquanto escavacavam o seu casulo. A posteridade tem destas coisas, nunca deixará de ser tirana.
Materializou-se.
Como se nunca tivesse sido outra coisa que não corrente eléctrica.
Nos seus sonhos mais doces ouvira falar num mundo para lá do seu castelo de branco. Decidiu partir, como se acreditasse que um dia poderia voltar.
E recomeçar.
P.
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