domingo, outubro 16, 2005

O meu gato.







Hoje passei o dia em casa, frio. Lá fora, eu estava um pouco cansado da semana. Ontem tinha saído durante o dia todo, e noite também. Gosto de me levantar devagar, abrir as persianas e ver a claridade, lá fora, sentir-me quente. Pôr uma música a tocar (gosto de demorar o cd que escolho, fazendo-o com preguiça…), e vestindo-me, também devagar. Acho uma pessoa andar de boxers e t-shirt – ou, neste caso, de pijama – pela casa o dia todo, é uma atitude de desleixo, não nos levarmos a sério nestes dias, em que simplesmente escolhemos não fazer nada. E eu já tinha escolhido o cd (tocaca o último cd dos at the drive-in, com uma cover particularmente bonita da música this night hás opened my eyes, dos the smiths, calma, neutra), e procurava, já, uma camisola. Os meus pais agora gostam de todos os dias, depois do jantar, irem dar caminhadas pela cidade e pelos parques, como exercício, e costumam roubar algumas minhas, já antigas. A única que tinha sobrado, estava numa gaveta a que nunca vou – porque está no móvel da minha escrivaninha, e ela está sempre aberta, com um livro, ou folhas, ou um dos meus muitos dossiers ou cadernos por lá deitados. E quando a vesti, reparei numa coisa que dantes era comum em todas as minhas roupas – pelos, finos, amarelos e brancos. Lembrei-me, do meu gato. Eu tinha um gato, muito amarelo e muito branco, muito meigo e apreciador de mimos, chamado Tintin; como o jovem repórter belga. O Tintin tinha sido meu quando convencera os meus pais a deixarem trazê-lo cá para casa em Lisboa, depois da minha gata ter dado à luz duas crias, na aldeia dos meus avós (digo, minha, porque fora eu que a escolhera para a dar aos meus avós). Eu gostava imenso daquele gato. Durante a noite quando dormia ia para a minha cama, e metia-se aos meus pés, debaixo dos cobertores, para dormir mais quente. Gostava acima de tudo de dormir no meu quarto à tarde, quando a luz lá batia. Não bufava nem mordia a ninguém, excepto ao aspirador, ao qual tinha terror, e à empregada que ainda aqui vem, quando vestia o avental azul com rendas. O Tintin era amarelo e branco, focinho branco, e amarelo à volta do nariz, e branco no peito, e nas patas; e depois entre o castanho e o amarelo-torrado, na zona do dorso. No início deste ano, a minha mãe, que sempre tivera muitas alergias, descobriu um novo especialista, algures – ora-lhe diagnosticado uma renite alérgica mais acentuada que nas outras anteriores análises. Talvez fosse o gato, mas embora não tivéssemos certezas, decidimos dá-lo aos meus avós o meu pai nunca tinha gostado muito dele – tinham os dois cortado relações há dois anos atrás, quando voltávamos e uma viagem longa – o Tintin odiava viajar, então miava e enjoava imenso nas viagens, por isso tínhamos de lhe dar calmantes. O meu pai aprendeu a odiá-lo por isso. Eu sofri, suponho. Ainda hoje quando entro em casa e rodo a chave na porta, conto sempre vê-lo à entrada à minha espera, pedindo festas sempre com apenas um miar, muito agudo, e curto.
E chamá-lo pelo nome.
E quando vesti a minha camisola azul-escura, vi-o pelo quarto todo. A trepar à escrivaninha. Dormindo entre as almofadas da cama. Dando patadas nas mangas das camisolas que pingavam da cadeira. Brincando comigo com os meus dedos nos ferros da cama. Metendo-se por debaixo dele quando brincávamos, ou fugia com medo. Espreguiçando-se no tapete.



E senti umas saudades.

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