domingo, outubro 02, 2005

De onde Vens.

- Eu…? Eu.
Eu venho de um lugar onde os prédios, caem como gotas em tardes de cinza, das barbas dos gigantes de gelo. De um local onde a cera trazida do mar se amontoa, em montanhas cónicas, brilhantes, onde as gaivotas guincham permanentemente, e são rainhas. Eu venho de um lugar onde o vento é um nome oblíquo e prismático, nas roupas transmutadoras das pessoas mudas, que esperam, ansiosamente, a próxima canção, impressas em tinta-da-china nos pavimentos, nos passeios, e nas ruas hexagonais. Eu venho, de um local de arcadas intermináveis; em que os cemitérios são criados apenas para recolher farrapos de sonhos desorientados, e que a cada dia crescem mais alimentando-se deles mesmos, sem ninguém lá entrar num silêncio de cobre. E onde os mortos murmuram, presos aos pilares do universo inverso de betão da Grande Cidade devoradora, que pulsa sempre, moribunda, como uma estrela faminta, por algo mais, das consciências das pessoas que imprimiu. Eu venho de um lugar onde amputam e cosem em santuários em forma de Garra octógona as asas de carne que saem das omoplatas dos deficientes, em armações de cartilagens, com fitas de filmes sem cor. Eu venho de um local onde as janelas sugam toda a luz para dentro dos seus prédios desertos, cheios de ruídos invisíveis, que saem das próprias fundações, como se tivessem vida própria. Prisões fingidas à realidade, que é colmatada com a absorção das rajadas magnéticas dos Sábios Silenciosos, enclausurados nas suas máquinas gigantescas, criadas para decifrarem a razão da sua própria utilidade. Eu venho de um lugar onde os animais são mais silenciosos que o bater do relógio da Grande Torre sem Sino, habitados e cegos por desesperos de diamante, em sopros intermináveis e inaudíveis de raiva., escondendo-se das próprias sombras que criam, quando Ressoam nas pedras insolúveis de um terror sem nome. Eu venho de um lugar onde as montanhas são catedrais de sangue, virgem e rosa, borbulhando com os milhões de fornalhas orgânicas, e onde ninguém sabe quem lá vive, trabalha, e Zumbe sem cessar. E onde os homens e as mulheres, silenciosos, repousam em decadências sensoriais de inlucidez extrema adormecida, como uma espiral de gravidade invocada por reverberações rasgadas de desconhecidos, e sempre presentes, Instrumentos de sopro; que não produzem uma única nota
Melódica.




Eu venho de um lugar, que era assim. Como torres, numa encosta de chuva, tão perene quanto o calor dos seus pântanos de cristal, fundidos na rocha quente da eterna madrugada, onde eram insuflados em rituais religiosos espelhos, com um defeito sagrado nos seus reflexos. Onde os assassinos são ricos, decadentes em lambidelas de tigre, em jogos floreados de vinganças permanentes, e onde os pintores prendem-se, a nível dos sonhos, às suas obras que se tornaram mais reais que eles mesmos, numa miséria de gritos multicores que ecoam, pelos esgotos labirínticos e ionizados debaixo do infinito chão de metal. E onde os escritores escrevem sempre o mesmo livro, e quando as páginas estão já pretas com tinta, pegam em tinta branca e começam de novo, numa estranha fome parasítica que os mantém vivos à sua própria escravidão.
Eu venho de um lugar assim: estranho, prismático, abstracto. E tão impossível quanto as ideias esquizofrénicas de um génio louco.


- Ou seja, vens de cascais.

- Não não, moro para os lados da Amadora.








01/55/14/15/09/05







J.

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