quarta-feira, outubro 05, 2005

Al Berto

eu geralmento gosto sempre que me perguntem quem é o meu escritor /poeta preferido, e respondo Al Berto. Não por ter a oportunidade de responder, mas um pouco mais para ver a reacção das pessoas a seguir. Eu digo, Al Berto. E então, elas perguntam, geralmente, Al Berto? Nunca ouvi falar. Como é que era? E eu digo, naturalmente
- Era um drogado bissexual que se mascarava de mulher, ou seja, travesti, para engatar gajos nas noites lisboetas.
Ou... algo assim parecido. Um arty Qualquer meio snob que se considere "poeta" ou "músico" ou "um tipo com ideias na cabeça ingressando por isso mesmo no movimento do bloco de esquera" poderia utilizar a bandeira de Al Berto, se a descobrisse, como utiliza a bóina e a bandeira com o retrato do Che Guevara, numa tentativa sempre frustrante e muitas vezes frustrada de dizer "olhem para mim, hey, tenho uma personalidade, sou uma pessoa bueeeeeda diferente". Mas, no meu caso, não é mesmo assim, nem sequer de longe. Eu adoro mesmo Al Berto, será meu mestre para sempre (apesar de ainda poder ser vivo hoje, a morte levou-o à ainda jovem idade de 47 anos, se não estou em erro), tendo-o descoberto no décimo primeiro ano. O Medo, o seu livro de colectânea poética, é também o meu livro preferido. Al Berto fez parte da geração avant-garde lisboeta do final dos anos oitenta, nos anos imediatamente após a ressaca do período de transição provocado pelo 25 de Abril. O que se passava lá fora começou a ser visto e introduzido em portugal. E o que se vivia lá fora era o punk, o new wave, o experimentalismo, em todos os campos artísticos, as drogas, e as sementes já despontadas da promiscuidade (homo) sexual. e Al Berto aceitou isso tudo. percorreu a europa toda sem guia, nem roteiro, usando o dinheiro com os livros de poesia que escrevia durante as suas travessias e as noites em que provavelmente se prostituiu para seguir caminho. Morre, um pouco esquecido por uma geração ainda proveniente do interior, ou demasiada presa ao fantasma de Pessoa, para ter sido reconhecido como merecia, talvez - poucos sabem que esteve, de facto, nomeado para o nobel da literatura.



porque - é quando abro O Medo ao calhas e me sai um poema como, por exemplo, A Sereia Em Plástico Português, que me sinto, verdadeiramente, pequeno.
E porque só ele sabia escrever poemas de amor, sem nunca ter invocado, a doce e gasta palavra.
O meu escritor preferido um travesti bissexual ganzado... tem piada. Mas, ironicamente, só podia ser assim.

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