sexta-feira, abril 07, 2006

A estrada percorreu-se como um rio.

A estrada percorreu-se, como um rio. Os pássaros falavam às horas, e as horas caíam; devagar. Ouviu-se o barulho de motores floridos, as presas macias e sem cara,
Ladrões de fruta de olhos grandes a trepar, ou a descer nós retorcidos de portas, joelhos, postes de ferro. Com uma nova mancha de Luz, os pórticos de pedra voltavam a tentar dizer algo, sobre a sua existência imemorial. E a essência da própria antiguidade descansava, longe, entre as fundações de algo mais alto, brilhavam peixes de prata nos labirintos subterrâneos de vida. E o ar, quente e talvez fresco, cheio de perguntas.
Alguns sons, passos…? Seriam passos? Afastaram-se dos pórticos, das visões que nunca ousaram ter, misturando-se com a inexistência do futuro, preso como uma sinapse, nos gostos de cinza deixados pelas primeiras Palavras: irrepetíveis.
E então passaram os Ectovultos. Seriam Homens, aqueles que os viam passar? Grasnavam pelas sementes queimadas da fuligem negra, descreviam círculos em volta do ozono pastoso do Céu. E disse-se Céu, alguém, piscando os olhos devagar, e os mundos inverteram-se. Os Ectovultos fugiram, em terror, e os mortos apaixonaram-se pela vida dos pórticos passados, jovens, querendo destruir o mundo com a força dos seus ecos. E as palavras renasceram de novo, e as árvores deixavam escorrer a seiva dos livros, ainda por escrever, da anterior superfície, esquecidos por terem sido lidos à escuridão das horas desfeitas, rasgadas os pórticos foram a única coisa que sobraram, de pé. Agitavam-se os murmúrios, morriam eles enquanto a terra engolia as Facas. E as Facas caíram para baixo, desafiando os pórticos, que queriam destruir o mundo com os seus ecos, mas eram apenas vencidos pela erva, soprada por um sopro mais inteligível que perceptível. Mas não floresceram – porque precisavam das horas, feitas, e das palavras, desfeitas. E ninguém se dignou de novo a trocar os mortos pelos vivos, pondo tudo, invertido, no lugar certo de cada Sol – e agora, era a água subterrânea que corria como um rio pelo ar, e pela areia quente de diamantes infinitos, pequenos como um deserto de cinza salgada.
Os pórticos gritavam pelos mortos, as palavras cegas, imemoriais, as horas vivas.
Mas apenas restou uma insónia, parecida com o vento, antes de eles não terem compreendido o mistério para trazer, de volta, os peixes dourados – a água subterrânea, as facas como facas e não como erva, o tempo estático dos pórticos silenciosos, a aragem cheia de murmúrios.
A estrada percorreu-se, como um rio.

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