Estava sentado num café quando um tipo moreno, sujo, de barba por fazer, entra a chorar pedindo ajuda para ir à farmácia comprar os medicamentos para a esquizofrenia…
Para a esquizofrenia…e a chorar…
Recebendo como resposta um não, ou apenas indiferença, não resiste a declarar, alto e bom som
Filhos da puta! – saindo de seguida do café.
Umas duas horas mais tarde, já no comboio, sento-me a um metro de distância de um conhecido meu e do J. Uma vez, no Verão passado, se não estou em erro, tomávamos café na esplanada do Martinho da Arcada (sitio onde Fernando Pessoa terá dado vida a alguns poemas) e estava lá um velho, bêbedo, que passou a hora de almoço toda a insultar os empregados, porque o bitoque não estava bom, porque a sobremesa demorou demasiado tempo, tudo isso. Inevitavelmente sabíamos ao que aquilo levava…
Tentou teatralizar a sua saída, sem pagar, sob o pretexto de ter sido mal atendido. Acabou corrido, literalmente, a pontapé por um dos empregados. Eu e o J. ainda o vimos pelo menos uma outra vez, na Baixa, junto a uma feira do livro que ali decorria, gritando nas ruas algo estapafúrdio.
Mas desta vez, naquele comboio, tinha na mão dois livros, que, pela cor do papel se percebia que eram bem antigos (gosto bastante do cheiro dos livros já de uma certa idade). Um dos livros, segundo consta, era de poemas do António Aleixo. E, engolindo algumas palavras pelo meio, lá os lia, declamando para as pessoas que se entreolhavam de forma cúmplice. Pouco depois deu inicio à sua sátira social, criticando as pessoas que falam bem do tempo do Salazar, esquecendo-se de que nessa altura tinham de andar descalços e tudo o mais. A sua forma atabalhoada de falar, não dava para perceber tudo o que dizia. Ainda assim, uma senhora a meu lado a dado altura concordou, Lá isso é verdade, disse ela…
Lá isso é verdade.
Por mim, tive pena de ter de sair na estação a seguir.
...
Ainda não foi desta que percebi até onde vai uma pessoa, (e recupero uma expressão já com alguma história) quando sofre uma overdose de realidade.
P.
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