sábado, dezembro 09, 2006

O Isqueiro.

Passa pela pele do metal como a fome passa pela acidez da chuva.
Depois, a chama que devora as golfadas de gasolina, afogando o ar.
O isqueiro passa pelo antebraço, desliza no pulso, a palma da mão fá-lo rodar todo num gesto subconsciente.
Reluz o aço polido da face do isqueiro, os reflexos saem distorcidos à velocidade da passagem do isqueiro pela mão, da chama pelo ar quente e seco do cansaço do fogo, dos dedos vermelhos de sangue pisado e unhas roídas.
Fecha-se a tampa com um estalido de polegares, rápido.
Volta-se a fazer deslizar o isqueiro num gesto rápido, reflexivo.
O isqueiro suspeita que “tenha matado uma alcateia de lobos”.
E
O isqueiro lamenta não ter morto o seu mestre antes – quando tinha a chance, claro.
O isqueiro vai sempre persegui-lo, mesmo que o perca, mesmo que as chamas fedorentas do seu pavio embebido em gasolina não se cheirem mais à sua volta. Mesmo que o roubem, caia numa das muitas sarjetas da cidade.

Nome – por gravar. Por gravar mesmo, há um compartimento no isqueiro que permite a gravação de um nome, de um símbolo, de um carácter chinês se fores piroso.
O isqueiro é mais que um isqueiro, este – é um símbolo ou stands for something, pela razão que o isqueiro existe ou decidiu, porque é suposto, nunca mais te largar e/ou traumatizar-te, perseguir-te.

Correndo tudo bem?
Será uma parte de ti.


J.

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