Qual seria a questão?
Ao abrir com alguma força os dias de um ano. Ao dizer com alguma certeza quem somos. Tomamos conta do que vemos. Hoje somos assim – um pouco do amanhã. Reciprocamos. Agora, como desde há muito, aceitamos que já não há palavras novas a que possamos chamar de interessantes. Existem palavras. Existe um nós. Existe uma estúpida tentativa de as
Explorar.
Pertencemos a qualquer coisa de indelével que não sabemos definir e talvez por isso se fale de cansaço ou de resignação. Talvez sejam simples filosofias do fim dos tempos. Anseia-se algo mais. Algum dinheiro, alguma pujança nas ideias, algum calor humano, ocorre-nos o tempo já desperdiçado e cá estamos. Rodeados de linhas entrelaçadas que formam a teia que nos prende.
Esta noite dormirei sozinho.
Amanhã acordarei cedo, preocupado em procurar o post-it (tão repetitivamente) amarelo onde depositei todos os objectivos a concretizar no dia que chega. E este chegará inevitavelmente.
Enquanto pergunto: o que virá de tão deliciosamente inovador?
Somos assim. Um dia aprendemos a respirar. Andamos de gatas e tentamos levantar-nos. Estamos em pé, prepara-te, jovem, é tempo de estudar. Passam mais algum anos, entre aprendizagens sobre reis da história e miúdas a quem temos vergonha de dizer olá.
Um dia beijamos alguém.
Passa mais um tempo e tudo à nossa volta espera por nos ver foder. Com um pouco de sorte já temos o juízo para perder a cabeça na inocência do amor. Com maiores ou menores repetições vamos vivendo na tentativa de não rejeitar o Amor, quando este nos rejeita.
E em todo esse tempo lá nos vamos…profissionalizando. O enfado vem e vai, algumas das dúvidas vão mudando, alguns problemas resolvem-se enquanto as rugas vão chegando uma a uma e começamos a contar a vida em função da morte de mais uma semana. A alternativa seria a inutilidade e com ela, dizem-nos, o fim da nossa própria humanidade. Não sei bem. Tenho aprendido menos do que esperava. Esqueci lições que esperava que ficassem para sempre. Ainda luto por não esquecer que há sempre alguém com quem podemos aprender.
Um dia somos filhos.
Outro dia somos pais.
Somos catalogações.
Olá, faço isto há não sei quanto tempo, sei esta e aquela língua, sou empreendedor e trabalho bem tanto em grupo como sozinho. Parabéns,
ficarás entre nós durante um tempo. E lá se vai ficando, poderia ser melhor, poderia, sei lá…poderia.
Somos os melhores, a porra dos mais brilhantes naquilo que sabemos fazer. E depois chega a pergunta, Quem raio és?, e o embaraço vai crescendo, e volta o enfado, e as preocupações e um novo rol de problemas sem solução. Somos assim, existências quase
quase
plácidas.
E se para isso houver tempo, se pouco adoecermos, então um dia estaremos sentados com uma mantinha no colo, com mais frio do que tínhamos uns anos antes, e talvez haja uma cambada de putos que se preocupe com a sapiência do que temos a dizer. E diremos coisas com toda a certeza, e ao vê-los sair pela porta ainda nos questionaremos acerca da violência com que o tempo passou. Hoje já fazem tanta coisa que eu não fazia no meu tempo.
Um dia.
Um dia seremos máquinas.
Já não falaremos do frio e dos anos – do tempo e do Tempo. O sopro da nossa vida estará contido no núcleo de um qualquer comprimido. Todas as nossas memórias estarão digitalizadas e a música que um dia ouvi talvez já não seja mais do que a banda-sonora de um programa para gente como eu. Gente que ouvia essa outra música que já ninguém faz. E já será alguma coisa, se chegarmos até lá.
Nunca deixamos de recear ver todos os que nos são próximos desaparecer.
Nunca deixamos de recear –
e desaparecer.
Queixamo-nos das contradições. Valha-nos isso quando tudo o resto falhar. Mas no fundo é apenas o processo que compreenderemos no segundo imediatamente a seguir àquela última batida. Seremos parte da biologia que nos fez. E voltará a questão. Pois eu sei, apenas sei, que quando tudo isso passar pela minha mente à velocidade de nano segundos que conseguirei reconhecer, sim, o meu espanto não mudará. Porque toda a vida terá sido assim
E eu ainda procuro pelas palavras certas.
P.
<< Home