quarta-feira, maio 25, 2005

domingo, linha de sintra.

Aqui há uns dias ia no comboio a caminho de um abraço e escolhi um lugar junto à janela, como tantas vezes o faço. À minha frente estava sentado um gordo, de meia-idade, algo barbudo, pele branca (quase pálida), de casaco castanho um pouco manchado pelos dias e porventura por uma substância alimentar qualquer; tinha também uma camisola vermelha, sem inscrições visíveis. O tipo tinha na mão um livro que parecia ser mais velho do que eu, quem sabe, talvez mesmo mais velho do que ele; olhei para as mãos papudas que o seguravam e pensei no quanto adoro livros já vividos, ligeiramente marcados pelo peso dos anos, que, acima de tudo, desconheço. Se bem me lembro “a lenda e a história” era o seu titulo, não tenho a certeza, provavelmente até nem era mas agora também não é isso que importa. Achei curioso encontrar naquele comboio, no meio de uma tarde de domingo, alguém com e explícitos e de certo modo eruditos interesses culturais. Estava a ser mais uma viagem banal quando de repente, percorridos apenas uns dois ou três minutos do percurso, o individuo, este homem de quem vos falo, levanta um pouco a mão esquerda, coloca o dedo mindinho (é, no mínimo, irónico utilizar diminutivos com um tipo assim) em posição e…leva-o por três vezes, consistentemente, ao interior da narina como se a quisesse vasculhar; de seguida coloca-o na boca e de um laivo chupa-o fazendo um som absolutamente desagradável, uma onomatopeia parecida com um schulrp, uma porra assim. Fiquei estarrecido. Possivelmente boquiaberto. Pensei que o horror tivesse acabado ali quando ele decidiu tomar a escabrosa decisão de repetir o acto, ainda com maior vigor, e se deixou ficar, lendo, como se nada fosse. Sacana do gordo, pensei. Levantei-me e dirigi-me para a porta; mais valia percorrer o resto da viagem em pé, de costas voltadas. Antes de chegar ao meu destino cuidadosamente planeado, tive oportunidade de ver um puto, negrito, por sinal, que dava gargalhadas deliciosas, delirando com as fotos que o seu pai - presumo eu – lhe tirava de telemóvel em punho. Havia pouca gente naquela carruagem, mas fiquei contente por saber que ainda havia ali alguém com uma inteligência sincera.
Deixei-me ir.
Só espero não voltar a ver aquela figura tão cedo. E ainda não me esqueci da sua cara.

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