quinta-feira, setembro 29, 2005

Final cut. - o idiota, parte quatro

Eu era alguém. No tempo em que me pintava de negro eu era alguém e identificava-me com a dormência constante de cada pessoa que havia visto perder. Eu presumia, e ao fazê-lo morria. Continuei a perguntar, muito depois de tudo isso acontecer, quem iria tomar o meu lugar?, quem me chamaria pelo nome. Pergunto-me agora se ainda tenho aquelas folhas em branco onde por tantas e tantas vezes me decidi espelhar. Chamava-mos casa à esquina onde acabávamos a vomitar e, por fim, adormecer.
Quando puto perguntavam-me, com relativo desdém, há quanto tempo não me ardia o coração. Respondia com um sorriso sem jeito. E eu não podia deixar de olhar todos os outros, desconhecidos, e via-me em todo o meu pujante egoísmo, a cada laivo refulgido(ou disperso, dependendo de onde se olha – E gritava, como que a dizer, Eu agora estou aqui, e já é tão difícil, mas tão difícil que chega a ser triste. E arrastava meu cansado corpo até à próxima esquina, novamente estupefacto com tudo o que ainda havia por fazer. Fazia frio. Que era eu. Na peça, no plano, podia surgir finalmente a imagem sobreposta de cores disformes, talvez se repetisse o negro

[a caneta com que escrevo]

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Predispunha-se assim: O último suspiro é sempre sinal de liberdade. Ao bruto cliché opõe-se agora o revólver gritante – regressa-se ao ponto inicial, o homem absurdo e suas peculiaridades; ou ingerências. Não há nada que eu possa fazer que não se vá perder. Falta-me a sorte. Falta-me o espírito. Dispo o casaco rasgado e submeto-me à condição de esquecido.
Ajoelho-me.
Tornei-me idiota e isso é algo a que me habituei. Que estranha sensação seria esta de querer controlar tudo o que me define?
Na última noite percorri-me. No tempo em que eu era alguém, silenciei-me.
O que fazer agora quando não há mais nada por descobrir?







P.






[dou por terminada a parábola idiota]

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