domingo, junho 26, 2005

lisboa.[apenas mais um pouco.]

Cansadas crescem as ruas de lisboa, prisioneiras do desejo que por elas vagueia. Como um beijo que nunca termina, lisboa é poesia; mulher consciente da sua sensualidade. À beira tejo perdeu a virgindade, procurou o seu apetite, aquelas luzes que não podemos ver - cada brilho nos olhares que a percorrem, despindo-a. Onde estás?, agora que por ti imploro. Cada noite a melancolia fadista que emana do cobertor rasgado e dos jornais sujos de mais um vagabundo. Queria confessar: A noite passada sonhei contigo, sonhei amar-te; até que te vi, lá no alto, no topo do castelo mais romântico do mundo. Lá no fundo, senti-me afundar, por todo o lado preenchias a lua cheia. Tricotavas o novelo do tempo como se soubesses que tudo aqui te pertence. Então sorriste. Senti-te falar, senti-me tocado. Como dizer, eu agora te percebo. Ninguém nos conta o passado. Ninguém nos promete o futuro sem saber que se enganará. Eu queria conceber só mais um pouco; reconheço-te tão bem ao sabor desse ritmo que carece de simpatia. Nunca será demais lembrar, menina tonta, que os teus gestos sábios são a minha mais triste melodia. Fala comigo. Por favor, finge ser criança cega perante o teu ar cinzento, de princesa, já mal te vejo, todo esse atrevimento, mais um sorriso solto, agora matreiro, sabes, queria contar-te quem sou quando estás longe de mim. As dádivas da noite, disseram um dia, são eternas. Queria saber, quem te eternizou em glórias e aventuras, o que resta desse tempo senão a saudade? Esta noite quente é apenas mais uma extensão dos teus lábios, como beijar-te sem esquecer meu nome, como te ter sem temer o engano. Só te queria fotografar. Deixar-te imóvel. A forma como te metamorfoseias a cada dia, a cada instante, a cada prostituta de andar penoso, a cada bar, a música, os copos contínuos, gargalhadas sonoras, a pedra da calçada a gritar por socorro, os casais que se abraçam, as sombras que te seguem, as faces cansadas, a brisa suave, o néon que se estende, as navalhas translúcidas a trespassar os corpos – somos todos teus amantes. Quanta magia podes conter. Como te magoam. Como danças desatenta. Desejo-te. Vem, vem ter comigo. Faremos a tal viagem alucinante que te prometi no tempo em que deambulava feito marginal, mais um jesus cristo de cabedal; chegaremos ao âmago do nosso desespero enquanto o ar ácido destes dias luta por nos prender. Criaremos velocidade, alguém nos ajude, sinto-me tão filha da putamente sedento e agora só quero estalar os dedos, senti-los partir, acreditem quando vos digo que beijo os corvos, todos eles negros, nos bicos que anseiam por carne. Quero entender. Quero relativizar a minha identidade. Quero que me aceites da mesma maneira que te aceitei, gritando. É agora. Está tudo a acontecer. Toda esta preciosidade, que faria sem ti? Onde irei senão contigo? Começo a achar que desististe. Que te deixaste violar. Que esqueceste a tua força. Não, não me desiludiste, descansa. De ti espero apenas mais um poema.

Acreditarei em ti quando mais ninguém o fizer.

- Acreditarei em ti quando me mentires. -




Peço-te, lisboa, se ainda me podes ouvir, Fica comigo esta noite.
Faremos amor ao sabor das palavras.
No dia seguinte, voltarei para te ver. E abraçar. Agora para sempre.



P.


(não escrevia para A Navalha há já um tempo. este texto é, portanto, a procura de recordar esses laços afectivos.pela ausência de cerca de duas semanas, a maior desde o inico da minha actividade bloguística - ai o pretensiosismo -, peço desculpa. a vocês e a mim próprio, passe o termo. por vezes forçada, outras tantas apenas fruto da simples falta de imaginação para corresponder ao que aqui me comprometi, desde o primeiro instante.
A Navalha não irá enferrujar.)

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