"8 horas seguidas".
O dia de ontem foi caótico, hilariante e imprevisível no seu todo, desde o início ao fim, em relação aos locais ou às pessoas, mas o único pensamento que hoje me vem à cabeça é que, por todos os piores motivos, a música que lhe poderia ter dado o mote era a talk, dos coldplay. E isso, meus amigos, deixa-me tão angustiado quanto excitado.
J.
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A esperada lista: Os melhores álbuns de 2005!
Uma primeira nota: é bastante difícil criar uma lista com os dez melhores álbuns de 2005. Em primeiro lugar, porque comprei, e ouvi, e arranjei umas boas dezenas, fora os que, pelos mesmos processos, obtenho que são de anos diferentes. Ou seja, o que acaba por acontecer é simples: quando decorre o ano presente, estou na maioria das vezes a obter discos do ano imediatamente anterior ( o cd que ouço agora, por exemplo, pela primeira vez na íntegra, é dos vicious five, e, sendo de 2005, só o obtive agora, emprestado pelo P., e já não vai a tempo de ser avaliado para poder ser incluído na lista); ou, mais normal ainda, dos anos anteriores. Portanto, os cds de 2005 que comprei foram, sim, bastantes, mas nada que se compare aos cds dos anos anteriores que obtive.
O problema adensa-se quando, ao tentar separar os cds por datas que me lembro de ter comprado neste ano, ou depois de avaliar a sua data de criação (sendo exemplos injustos o trabalho dos death from above 1979, que saiu em 2004 mas que só foi distribuído em Portugal depois do festival de Paredes de Coura, apenas para citar este pequeno exemplo), reparo que poucos são os cds dos quais realmente gostei. Que quer isto dizer? o óbvio: muitos foram os cds que ouvi no ano passado, mas poucos os que de facto me tocaram. Me disseram alguma coisa, ainda. Eu já ouvi muita música, e quantos mais cds ouço, mais difícil se torna encontrar trabalhos que me deixem completamente e irremediavelmente fascinado como se fosse o primeiro dia que contactei com o Ok computer, dos radiohead (nos iniciáticos dias do meu décimo ano). Raros são os cds que o fazem. Raros são os que me prendem, me fazem acordar literalmente a cantar as suas canções e melodias, e berrá-los durante o banho, falando deles a todos os traseuntes que passam como um filho. São cds que me fazem, sem exagero nenhum, ver a vida de forma diferente - são cds com os quais crio uma empatia. Ou seja, ao passar o olhar por todos os cds que comprei em 2005 vi que, apesar de ter gostado muito de muitos, poucos (raros) foram os que me deixaram completamente de boca aberta, apercebendo-me que a música ainda é um universo infinito e absolutamente fascinante para explorar, e que me fazem (repito) olhar para a vida de forma diferente - sem exageros. Podia criar uma lista artificial de dez cds, mas cinco estariam a mais. Mais de cinco foram os cds que marcaram em 2005 (embora poucos mais), mas apenas cinco, lamentavelmente, os criados no ano passado. Por mais que goste de outros, Pô-los aqui sentir-se-ia quase como uma farsa - porque gostei deles, mas não me tocaram, tão simples quanto isso.
Última nota: de referir que a própria lista é forçada. dos cinco cds que aqui se encontram, apenas três entraram nela sem quaisquer problemas. Os outros dois entram para o que me mostraram e demonstraram para além deles - mas não me deixaram num estado tão singular, e único, que atinjo só quando ouço grandes trabalhos, como os outros três.
Mais ainda : a lista peca por defeito. Este ano de 2005 não cheguei a ouvir grandes cantores e bandas que figuram em quase todas as listas dos media num balanço final, de modo a que é uma lista cujo alcance está limitado apenas ao que ouvi. Não ouvi, por exemplo, o get thee behind me satan, o último trabalho de Sufjan Stevens. Outras ouvi, como Arcade Fire (achei razoáveis) e outras ainda (como o cd do Anthony and the johnsons, I am a bird now) detestei, pura e simplesmente, insurgindo-me contra uma onda de admiração cega que considero inexplicável. Mas lá está: são gostos.
E agora, without further ado, os discos:
1- Frances The Mute, The Mars Volta
Se o Deloused in The Comatorium foi o álbum da desocberta da banda, o Frances The Mute foi o álbum que me estabeleceu como fã incontornável e incondicional. Prog-rock no seu melhor, com toadas de jazz, salsa e funk, solos de guitarra de outro planeta, e uma música absolutamente genial com mais de meia hora, o Frances The Mute fez-me ouvir coisas diferentes, gostar de coisas diferentes, ver a música em si como algo diferente, e pôs-me até a escrever de forma diferente. Alargou os meus horizontes enquanto pessoa, e isso, se não é dizer tudo, é dizer muito.
2- Worlds apart - And You Will Know Us By The Trail Of Dead
com este cd, tive sorte: saiu no início de Fevereiro, mas só o ouvi pela primeira vez a oito dias do final do ano, dia 23. Mesmo à justa! e valeu a pena. Eu não conhecia nada dos Trail of Dead, mas pelas críticas que tinha lido, e simplesmente pelo... sei lá, feeling da banda, sentia que ir-me-iam impressionar de uma maneira muito provavelmente incontornável - e tinha razão. As melodias são luminosas, fortes, e a voz do vocalista, tão diferente e interessante - e o piano, lá no meio, a intercalar entre o forte e o calmo; cai tão bem. Não há, aliás, partes segmentadas em sítios mais fortes ou mais leves - todo o álbum é uma sequência bem estruturada de highs e lows. Após psoterior pesquisa, descobri que os críticos eram unânimes ao o considerarem o pior álbum dos trail of dead - o que me deixou curioso e quase divertido - era impossível, pensava. Então comprei, pensando mesmo assim que me ia arrepnder ao ouvir uma coisa menos boa da mesma banda, diminuindo a minha mística por ela, enquanto o enfiava num saco da fnac, o Source Tags And Codes, considerado a obra prima dos Trail of Dead.
Para meu horror e fascínio, contrariando todas as hipóteses, constatei que o álbum era, de facto, melhor. Não figura nesta lista porque não é de 2005, mas figurará na lista Os álbuns que mudaram a minha vida . Ou seja, um conselho: se quiserem ouvir ou comprar algo de Trail Of Dead, arranjem primeiro o worlds apart, deixem-se fascinar, depois comprem o Madonna (que ainda não ouvi), e o primeiro álbum, de nome homónimo, mas deixem o Source Tags And Codes para o fim. É uma viagem perfeita de Rock e silêncio (sim, neste álbum o silêncio é também um insturmento!), e será o segredo bem guardado, fechando com chave de ouro o percurso pela banda.
Scabdates - The Mars Volta
Perdoem-me o lugar comum; mas a verdade é que, com este álbum ao vivo, os The Mars Volta atingem o ponto máximo (até agora, pelo menos) da loucura desenfreada que é a sua música e os seus espectáculos ao vivo. As músicas que encontramos nos álbuns de originais são apenas miragens - Os The Mars Volta pegam nelas, Mudam-nas, dobram-lhes o tamanho, inventam em rasgos de improviso que ultrapassam a dezena de minutos, e voltam ao início, baralhando e voltando a dar, tornando as explosões de som irrestivíveis e imprevisíveis. As músicas estão cortadas ao meio, portanto saquem ou comprem o álbum inteiro - é praticamente um álbum de originais. As músicas tocadas, em bom rigor, são 3, mas o álbum corre até aos setenta e seis minutos (!) non-stop.
The Woods - Sleater-Kinney.
Grandes sleater-kinney! este trio de gajas tem mais tomates que muitos músicos que andam por aí a brincar às bandas de rock - no seu último disco é tudo mais forte, mais poderoso, e mais alto qe nos outros álbuns anteriores (que só descobri posteriormente). A voz da Carrie também é incrível! límpida nos agudos mais agudos, é sem dúvida outro instrumento e faz toda a diferença. Estas meninas deixaram-me com um bom, grande e sem floreados álbum de rock. Sempre a abrir, abriram o mote para os seus outros trabalhos e bandas semelhantes.
The Ghosts Reveries
A excepção que confirma a regra, Opeth é metal, e foi-me oferecido como prenda de anos atrasada ( Thanks Sara!) há uma semana ou duas. Mas o álbum é de 2005. E também é bom, bom como tudo - porque eu nunca pensava que as bandas de metal pudessem soar assim - num momento com riffs de guitarra fantásticos e uma fúria caracteristicamente metal, e noutro, inexplicavelmente, uma voz melodiosa e um piano calmo, sem medos, que se prolonga por minutos a fio. Para ser perfeito só faltava memso que nas partes mais fortes o vocalista deixasse aquele lugar comum da voz estúpida a imitar satã a arrotar enquanto canta...
Para acabar: Outro álbum, ou álbuns deviam estar aqui: mas o que os representa é um estilo musical. 2005 (o natal de 2005) foi, depois de ver o filme/documentário do Scorcese na tv, o ano da descoberta dos blues. Blues sujos, tocados por pretos sacanas e mulherengos que vendiam a alma ao diabo em encruzilhadas para tocarem melhor guitarra, blues dos anos 40, 50 e 60, lá para os lados do Mississipi, em que os melhores ainda eram só uma guitarra, uma harmónica, e uma voz rouca de aguardente. Muddy waters e John Lee Hooker, por exemplo, são dois artistas que agora venero, mas dos quais não possuo nenhum álbum. Vivam os blues.
Mais uma coisinha: esta lista só tem álbuns rock, fortes, a abrir, com melodias que agarram pela jugular e não pedem por favor. Outro leitor mais inocente poderá pensar que é só rock o que ouço, mas não: bandas e músicas calmas tocam-me tanto quanto a mais forte das músicas, mas nenhum cd calmo me marcou o suficiente para o colocar aqui - o que é uma pena. Longe vão os tempos em que descobria pérolas como Azure Ray, ou Loopless, ou Smoke city, e me deleitava a ouvir beleza verdadeira. 2005 foi um ano rock - e sei que 2006 continuará a ser. Os Mars Volta, desde o fim de 2004, que me despertaram um apetite insaciável por poder, e força, diferentes do rebanho. Os Trail of Dead saciaram-na bastante, sem sombra de dúvida.
A minha avó é virgem,
J.
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Depois do Riso
- Que aconteceu…?
- Uma esperança contida; desfiz-me em ópio. (acende um cigarro lentamente). Não te sei bem dizer a miragem que vi, como era, mas o seu nome
(“foi lá que te vi”, entre o interlúdio de som e silêncio, enquanto tudo corria mal e os tempos do Sol e Noite se misturavam com outros pedaços de mim, arrancados, enquanto me via no meu próprio olhar reflectido no teu)
- Tens de descansar, tudo o que se passa é uma curva de incerteza, enquanto lhe agarras a mão, murmuras outro nome, te desfazes no suor de uma imagem, de um sonho, porque
- Peregrinar era algo distante?
- Isso mesmo, porque peregrinar era algo distante, estava reservado a outros momentos em que, um dia, serás mais que eu, e tu, e nós mesmos.
- Disse-lhe, Deixa-me segurar-te nos meus braços enquanto a tempestade de som não passa e assim cegarmos ante toda esta paisagem de carros e pessoas e prédios e céus desconhecidos à nossa própria eternidade
- Mas não te ouviste.
- Mas ela não me ouviu.
- Que te aconteceu contigo, não perguntes, não me respondas aquilo que não queres tu próprio saber, inconstante,
- Mas peregrinar era algo distante
- Daqui a um ano vais-te lembrar de como te voltaste a sentir, único, como se todos os dias que se seguissem fossem apenas feitos para ti como um corte apenas um pouco menos plausível, t
- Mas diz-me, porque é que eu não sinto o mesmo, porque é que me sinto divido entre aquilo que não era e aquilo que sou agora, se vi o mundo a cair lá fora e não ousei esperar pelo amanhecer (encosta-se a um pilar e olha diagonalmente para o chão), como posso pedir para me lembrar para sempre?
- N:
Não, tudo aquilo que não era acontece, desfaz-se, torna-se mais real que tu se imaginares que nunca se passou contigo, não, não podes negar o sonho mesmo que o confundas…
- Comigo mesmo?
Súbito, Sol passa por entre um prédio, cega ambos os amigos, é com olhos fechados que ouve o último concelho
- Quão perto estás? Quão longe? Quão perdidos estamos todos nós?
- Eu sei essa resposta, eu sei que ainda sei essa resposta
- Quanto?
- Perder-te não é um problema. Problema é não saberes, depois, encontrares-te.
Deixa-o. Por uns momentos, pensa ficar encostado ao pilar da cidade para sempre, mas depois, enquanto se afasta, segue-o.
O entardecer, como sempre, dita o mote destes finais.
Longe ouve um riso parecido com seu
;
É tempo, sua mescla infinita.
J.
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Mais um ponto circunstancial da situação
Bem cá estamos de volta! Tive o meu último teste ontem, e digo-vos já meninos e meninas, soube mesmo bem pensar enquanto o entregava “estou de férias, ena” enquanto uma dor de cabeça me martelava as sinapses. Por aqui está tudo bem. O P. também tem exames ou então perdeu-se na sala dos espelhos copulativos, a observar fotografias de outros futuros invertidas enquanto muito lentamente se desmagnetiza. O imbecil deve pensar que só assim alcança a eternidade.
Ou então está mesmo em exames. Quanto a mim estive em testes (que não são tão importantes, mas ainda assim) saboreando o gosto ao papel de baixa qualidade de fotocópias e o sabor do eremitismo que exalava docemente das minhas axilas. Mas estamos de volta, estamos em forma, e cá faremos o melhor possível para não fazer o pior possível. Entretanto amanhã posto o meu tão esperado “os melhores álbuns que ouvi de 2005” seguido da rubrica “as melhores coisas que ouvi em 2005”, só mesmo porque sim – porque eu passo um ano em que metade das coisas que descubro ouço, e quiçá gosto, muito mesmo, são de anos anteriores, principalmente do ano anterior, portanto a duplicidade das rubricas faz para mim sentido.
Ainda pensei em criar uma piada que jogaria com certos acontecimentos e faria toda a malta jovem rir-se, mas depois percebi que a minha vida é demasiado desinteressante para poder continuar a ter assunto; portanto despeço-me, com amizade, esperando que não se tenham esquecido deste pequeno antro de perdição.
Beijos fofos,
J.
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Pausa.
...
O Vento era húmido demais para queimar o que restava dos corpos
nas Jangadas
J.
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Uma pequena nota
Uma pequena nota acerca dos assuntos recentemente discutidos aqui n’A Navalha.
Em relação ao pequeno (grande) texto do P., o que posso dizer é que ele apanhou-me de surpresa, mas nem por isso ela foi uma surpresa negativa. O que se passa é, quando criámos A Navalha, a nossa ideia era acabar com uma ressaca de alguns meses em relação ao projecto falhado (embora alguns leitores discordem, e continuem ainda hoje a frequentá-lo, apesar de tecnicamente morto) que foi o nosso anterior blog. Muitos amigos nossos nos perguntam, porque é que não fazem textos, posts, mais críticos, mais sátiros, se o fazem normalmente no vosso dia-a-dia? As razões são várias. Em primeiro lugar, o que queríamos e quisemos fazer em relação À Navalha era um projecto específico, com rotas específicas e metas bem balizadas a alcançar. Não queríamos fazer deste blog um blog político, muito menos crítico (ou ao contrário): a nossa ideia era justamente fazer uma coisa diferente, totalmente abstracta, meramente artística – naquilo que, muito humildemente devido à falta de tempo e de jeito, nos é possível – e sem qualquer tipo de agenda social ou, até, arrisco, cultural – éramos apenas dois amigos que queriam criar um blog diferente dos que existem na blogosfera, a esse nível, mas sem ter o aspecto e carisma pesados dos outros blogs que existem (cujo nosso anterior também era exemplo) ; e em relação à agenda mais cultural, ela apareceu mais recentemente, à medida que o blog se ia naturalmente expandindo. Não o tornar demasiado íntimo, não o tornar íntimo sequer – as ideias, como são apanágio quando são lançadas entre conversas nossas, nem estão sequer bem delimitadas mas temos a rara sorte de estarmos sempre em sintonia e na mesma onda. Então, com dez minutos de conversa, ambos percebemos sem precisar de explicitar tudo um ao outro, o que queríamos com este blog. Devo admitir, ou dizer, que textos políticos não era mesmo o que queríamos – mais uma vez, queríamos uma coisa algo diferente, e se até o P. admitia excepções, por vezes, eu deixei bem claro que não, com alguma teimosia. Porque eu, na verdade, não suporto política. Não é muito normal, eu sei, até no curso onde eu ando, mas o meu interesse pela política é completamente nulo, ou perto disso. não vejo debates na televisão mais do que cinco minutos seguidos, não compro nem leio jornais. Os meus pais até estranham um pouco, e não entendem bem e já mo disseram, como é que eu fui para direito e não presto atenção a políticas, enquanto, ao mesmo tempo, vejo amigos meus ingressarem fervorosamente com algum ideal secreto e motivante que eu ainda não descobri (e, na minha opinião, por vezes completamente cego, mas que se há-de fazer…) nas Jotas, S, SD ou P. Eu, pelo contrário, já tive uma folha da JS posta à minha frente para eu a assinar com a promessa que se eu o fizesse me pagavam com sexo (oooh, as lendas que se criam com estes pequenos momentos…), e eu ri-me, declinando-a. De facto a política não me interessa, muito particularmente repugno-a, por achar que é uma actividade, pelo menos nos últimos anos, vazia de conteúdo, cuja prática, nos nossos dias actuais, o tem provado das mais variadas formas.
Se no entanto não queria textos políticos ou de nível social, não posso desprezar ou sequer não concordar com a postagem do texto do P. em primeiro lugar, porque a peça está, em si, de inegável qualidade, boa para alguns ou não tão boa para outros. Depois, as suas ideias baseiam-se em acepções que eu próprio já com outros discuti e com as quais sem qualquer tipo de reservas concordo, e finalmente, porque A Navalha é democrática, eu sou democrático, e não posso simplesmente pagar um texto do P. só porque não gosto dele ou o acho mau. E o que se sucede aqui, aliás, não é uma coisa nem outra, muito pelo contrário.
Finalmente, respondendo às sugestões do Vash e do Marcus: como já expliquei, A Navalha não foi criada com o intuito de abranger este tipo de assuntos, mais terrenos e concretos. Fazem parte das pequenas, pequeníssimas excepções que criámos aquando da feitura deste lugar. No entanto (e como está até bem explicitado no nosso Manifesto d’A Navalha) regemo-nos pela regra geral da liberdade, liberdade, liberdade. O blog tanto é meu como do P., e cada um de nós postará o que quiser, sabendo no entanto que cada um respeita o outro nas suas ideias. Excepções como estas serão sempre bem-vindas, e quem sabe um dia excepções deixarão de ser, mas este é um ponto ao qual ainda usamos a expressão “quem sabe”. Não é, admito, minha vontade centrar-me nos problemas do país ou do mundo, aqui neste blog. Por estas razões e por outras ainda que aqui não referirei. Mas só posso agradecer ao P. a própria lufada de ar fresco que apresentou, dizendo que me subscrevo, totalmente e sem reservas, ao seu ponto de vista. A liberdade de expressão é um conceito tão variado quanto perigoso, e acaba a nossa liberdade onde começa a dos outros, mas como definir essas fronteiras? De relembrar que caricaturamos o nosso próprio Deus (digo nosso – o Deus com o qual fomos culturalmente, na nossa esmagadora maioria, criados), há mais de um século, e nem por isso somos uma sociedade mais degenerada que a islâmica. Não posso admitir que países que critiquem a publicação de cartoons como uma afronta aos seus valores pessoas apedrejem mulheres até à morte em praça pública por adultério ou as obriguem a casar com quem querem, escondendo-as com véus, maltratando-as, a não as tratando como merecem: com igualdade, obviamente.
Afirmo sem pudor algum que não têm qualquer razão moral de protestarem contra as nossas faltas de respeito e princípios perante eles quando são estes (e outros) valores morais que estão em causa.
J.
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Hoje foi dia de S. Valentim
[Sem ironia, A Navalha deseja, a todos os não comprometidos, que o dia não tenha sido de nostalgia]
P.
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Quando for grande...
…quero ser reformado. Poder dizer que no meu tempo os jovens eram homens aos 14, que hoje em dia são todos uns drogados que só sabem roubar. Que todos os políticos, sem excepção, mesmo os que não conheço, só querem é “poleiro”, que o que os médicos dizem é tudo treta, que os padres hoje em dia já não são como os de antigamente, que no tempo do Salazar é que era, que as reformas não chegam para nada. Quando eu for grande quero poder achar graças aos “Malucos do Riso” e chamar cuscas às mulheres dos meus amigos, também eles velhotes. Irei à consulta queixar-me de tudo mas dizer, Ó Sô Dôtor comigo tá tudo fino e com genica, mas olhe podia receitar-me uma daquelas coisas do Viagra ou lá o que é que eu e a minha esposa temos tido alguns problemas em fazer o avião descolar, se é que me entende. Quero fazer amizade com o chaffeur [diz-se chófer] da carreira que me leva ao jardim onde se joga dominó e ir em pé, mesmo junto a ele, a insultar os outros na estrada como ele faz e a dar indicações quando se chega a um sinal stop, Já pode virar a seguir a este encarnado – e esquecer que há uma razão qualquer para o facto de me ver obrigado a andar de transportes públicos. Quero poder babar-me um pouco e fazer um sonoro slurp enquanto como sopa sem que ninguém me leve a mal porque já não terei lá muitos dentes. Ressonarei bem alto durante a tarde, após o almoço; verei televisão e mais televisão só para poder chamar galdérias às actrizes brasileiras, e vou olhar para as minhas mãos enrugadas e acrescentar com convicção, para os meus netos, Aqui estão muitos anos de trabalho, e a miudagem vai rir e pedir qualquer coisa que, por essa altura, já não saberei o que é e acharei apenas, Eles hoje em dia inventam com cada uma… Vou ver os meus antigos colegas de trabalho, os meus amigos de infância, um a um, a desaparecerem, e vou pensar que sim, que o tempo passa rápido; quem sabe, poderei olhar-me ao espelho, sorrir de mansinho para a minha mulher e pensar, é verdade, vale sempre a pena. E de seguida vou passar a cara por água, lavar os dentes, tossir umas duas vezes e deitar-me, que já deverão ser umas dez da noite e quando o sono bate à porta é para se respeitar.
Não fossem as prováveis cólicas e diria que os melhores anos ainda vêm a caminho.
P.
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Metrópole (versão curta)
Resgatou-se o nocturno momento
como espinhas de um milenar peixe, Passos entre
abertos/semi fechados lugares
de ilusões corporais. Não há nomes
que fogem sem saberem em táxis alados Nem há
caras para associar aos nomes
, gorgolejar ainda um crepúsculo gélido de cinza
Numa dança de caveiras
Intemporal, Se Tu, num novelo,
Mas as portas fecham-se com os seus sons
de púrpuras novidades, breves viagens entre o resfolegar da noite entre
Risos amedrontados Quando em demasia as coisas começam a
ter um nome. Não vás, alguém gritou na paisagem
horizontal de prédios desfocados que amanhã, continuamente
se autodevoravam
O ressoar dos passos a entender partida é
tão bom nesta cidade ardente de corpos
no seu desejo cego de talvez assim
desaparecerem
o1/17/10/11/02/06
J.
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Infiel.
Abro agora um parêntese naquilo que são, desde a origem, as linhas directrizes d’A Navalha. Tanto eu como o J. nunca tivemos pretensões de críticos, mas confesso que sinto necessidade de não me escusar a um assunto esta índole – falo, como se calhar alguns já presumiram, das tão badaladas caricaturas de Maomé.
Em primeiro lugar, queria salientar alguns dos factos de toda esta polémica. A 30 de Setembro, do ano que acabou, o jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou uma série de caricaturas que figuravam Maomé, profeta islâmico. Ora, qualquer representação do profeta é considerada uma afronta – no entanto, pelo que tenho lido em vários órgãos de imprensa, os textos sagrados nada referem sobre uma efectiva proibição. A 17 de Outubro, o jornal egípcio Al Fagr publicou seis das caricaturas em causa. Na verdade, a publicação destas não teve grande relevância por essa altura. Cerca de dois meses depois, quando o tema das caricaturas foi debatido no seio da Organização da Conferência Islâmica (que juntou vários líderes muçulmanos), é que se formalizaram protestos, levando à crise da qual já todos ouvimos falar.
No meu ponto de vista, creio que é restritivo reduzir toda esta questão a simples liberdade de expressão. Esta, é um direito inegável, porém traz consigo um valor de responsabilidade intelectual que não deve, não pode, ser ignorado. Perante isto, acrescento que sim, há algo de idiota e inconsciente por parte do autor – e de quem publicou – das caricaturas. Mas será que isto serve de desculpa às cenas inomináveis a que temos assistido? Ainda hoje a embaixada francesa em Teerão foi atacada por uma multidão raivosa, perante a passividade das autoridades. A Igreja Católica (apostólica romana, por exemplo, deve envergonhar-se do tempo em que se deixou manipular como arma política no período negro da Inquisição. Mas, nos nossos dias, perante aquilo a que temos assistido, a quem podemos exigir responsabilidades? Parece-me uma postura esquiva achar que a culpa é exclusiva de um jornal dinamarquês (que já apresentou por duas vezes um pedido de desculpas formal), que não previu as consequências dos seus actos. Mais ainda, considerar que estas manifestações violentas são mero fruto da indignação individual de muçulmanos revoltados, é não ter em conta o que os move.
São protestos, na maior parte dos casos, organizados e não espontâneos, entenda-se. Muitos dos líderes de grupos extremistas islâmicos são teólogos, homens ricos, que tiveram acesso a formação superior. Mas quem coloca as bombas no corpo, e se rebenta no meio de transeuntes, gritando por Alá, são muitas das vezes pessoas que não tiveram possibilidade de escolher, que se viram forçados a viver na miséria, sem possibilidades de educação ou de qualquer outro recurso que lhes desse a possibilidade de ver toda esta situação sob outro – qualquer – prisma. São eles a “carne para canhão” enviada para a morte em nome de uma fé narrada por interesses políticos, sociais e económicos (tão poucas vezes religiosos) – são as balas disparadas por fanáticos poderosos que não tiveram a “dignidade” de levar a cabo, a custo do próprio corpo, a Jihad que tanto apregoam.
Grita-se pela morte da Europa, pelo ódio, por uma fatwa perversa, pela punição do gigante anómalo que é o Ocidente. E sim, a aculturação que sobre os muçulmanos é exercida é complexa, insensível, não levando em consideração o contexto em que se verifica. Mas nada desculpa aquilo a que assistimos.
Posso – e faço-o – considerar o privilégio, o direito que tenho em poder falar. Não teria a coragem, fosse eu muçulmano em algum dos países mais extremistas, a dizer o que penso – sob pena de ver as minhas mãos decepadas (metafórica e, quem sabe, literalmente), de ser preso e executado sem questionar. Talvez tivesse a minha cabeça a prémio por alguns milhares de euros. Sei que falo porque posso: se é pela ilusão de anonimato que a Internet proporciona, se pela democracia (tantas vezes falível, convenhamos) que rege o mundo em que habito, pelo que seja, pouco importa, a verdade é que ainda posso falar.
E por ora não direi muito mais; apenas que me sinto envergonhado caso as instituições democráticas que me representam como cidadão desculpabilizarem, com base no argumento da “tolerância”, o que temos visto – a violência sem escrúpulos, seja em que circunstância for, é intolerável e repudiável.
Etimologicamente, a palavra “herege” significa “aquele que escolhe”. Só posso dizer que assim me sinto e, como tal, escolho. Temo é que rapidamente a escalada de violência seja de tal ordem que se esqueça o que a provocou. As caricaturas têm muito de absurdo, mas sejamos sérios, tudo isto não se trata de meras caricaturas, pois não? Manifesto o meu NÃO ódio. Manifesto a minha estima pelos muçulmanos em geral. São, de facto, os casos específicos que me preocupam, como o dos fanáticos que se serviram das caricaturas para espoletar a sua “guerra santa”.
Infiel, como vocês.
P.
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Poesia urbana.
Num pilar, a marcador azul, em Queluz.
P.
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Marcado | enxofre.
Mastiga vidro, sorri,
Precisa de forças não abdicando, diz:
A cultura pop parece um réptil ao sol.
P.
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Terça ao início da tarde.
Hoje, enquanto esperava pelo comboio por volta da uma e meia, a velha preta maluca, que canta o fado em altos berros passando todos os dias à tarde pela rua de minha casa, pregava o apocalipse, no meio da plataforma, gritando bem alto que íamos arder todos, e todas as pessoas se riam. Ao mesmo tempo, na rua que dava para o parque, o maluco que está sempre a gritar que vai chover e apenas veste uma manga do casaco, berrou sons guturais, correu a aproximar-se de duas mulheres que passavam, e baixou as calças mostrando-lhes sem pudor algum a a sua pila. Gritou bem alto "olhó gajo!!" e fugiu a correr, de novo, pronto para outra. É só cromos em amadora, pensei eu, enquanto entrava no comboio, voltando a baixar os olhos para o jornal, nem me preocupando por já não me assustar ou achar estranhas tais situações no meu dia-a-dia. Antes de as portas do comboio se fecharem, pude ainda ver um cão a fugir da trela do dono e atacar um casal de velhos que estavam a despedir-se do filho, dizendo adeus, mordendo-lhes as pernas e o guarda chuva, o dono a dizer Foda-se, Foda-se, Foda-se.
E que quer dizer isto? Nada, absolutamente nada.
J.
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Imagem.
Esventra-se em silêncio o frio da noite. Os passos surgem, periclitantes, entre uma baforada de fumo, e outra. Ritmadamente, os candeeiros da rua apagam-se em tempos irregulares.
Foi só uma névoa mais física, pensou um qualquer homem de meia-idade. Entre a sua voz, passaram lâminas enferrujadas, e um ou outro copo de aguardente. Quando falaria, se falasse – seria ele o outro farrapo de névoa.
Passa por mim, ou sou eu que passo por ele. Pode estar encostado ao poste de iluminação há dias, fumando o Inverno do seu descontentamento. Um jardim húmido de verde. As luzes diagonais entre os carros que passariam ao fundo. Lembro-me que a cidade é um poema em movimento, talvez tão agreste quanto as histórias que, dentro de si própria, cria sem lamentos. Ela nunca veio, pensei, enquanto ele não me olhava uma segunda vez, fumando ainda, o mais devagar possível. Ela não veio para nenhum de nós dois; era suposto ser assim, nesta parte esquecida de prédios sem glamour ou qualquer sentido.
Mas ele espera ainda, encostado ao poste, junto a um jardim raro, rente à estrada. Olha, súbito, para o céu. Talvez tenha sorrido e eu não vira, mas faz questão de levantar a cabeça para expelir a última baforada de fumo. Depois, atira o cigarro e volta à mesma posição, desta vez com ambas as mãos nos bolsos. A luz, ainda, intermitente.
Começa a chover, vou para casa; Ela afinal não viera. Ao olhar uma última vez para trás – na mesma posição, encostado ao poste, ele ainda está lá.
Tom Waits - green grass
J.
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When The Music's Over
Hoje acordei e deu-me vontade de ouvir The Doors do princípio ao fim.
Era a melhor terapia de que precisava.
J.
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