domingo, julho 30, 2006

Ideias.

Gostava de poder fazer sexo, do princípio ao fim, sem dizer uma única palavra: uma única; nem mesmo quando terminássemos e ficássemos, dois guerreiros derrotados nos braços um do outro, ou enquanto me vestia para me ir embora, de costas voltadas para a cama; ainda assim, ainda aí, sem dizer uma única palavra. Falar aborrece-me profundamente, distrai-me de tudo o que possa estar a pensar ou sentir.

Acabam connosco, e sabemos como é: o mês ou mês e meio de sentimento amargo na ponta das mãos e vazio a saber a plaquetas dentro do estômago. Não poderia ser ao contrário? É como se perdêssemos um do, talvez: eu sabia pintar, e agora – já não sei, mas pintava, maravilhosamente. Agora já não. Agora estou à espera que as mãos cresçam de novo. Mas as mãos serão novas, diferentes – e nunca mais pintarei da mesma maneira. Todos os meses amigos meus acabam uns com os outros. Eu vou assistindo e nunca deixo de me fascinar com cada história.

Odeio metáforas prolongadas mais ainda do que aquelas pessoas que gostam de teorizar se o amor verdadeiro existe ou não. Não por saber a resposta, mas por isso ser, para elas, totalmente irrelevante. Quem o sente é chamado de mentiroso, que nunca o sentiu passa a vida a especular e à procura dele, mesmo que inconscientemente.

Era fácil se existisse um terceiro olhar, e se existisse um quarto, uma paragem brusca; espera, deixa-me voltar atrás. As pessoas que se tinham cruzado no meio da rua conhecer-se-iam e tudo o resto poder-se-ia, eventualmente, seguir.

Ultimamente tenho andado siderado com a obra musical da Lena d’Água, nos anos setenta, oitenta, no psicadelismo português (só se fumavam uns charrinhos mas ainda assim o que aquela hippie marada fez ainda hoje é bestial)

Decidi há uns dias comprar uma harmónica porque quero aprender a tocar alguma coisa, alguma coisa, e se quero aprender algum coisa, mais vale que seja um instrumento do qual eu goste bastante e que, também, já agora, me caiba dentro do bolso.

Quando penso em estilhaçar uma miúda, a ideia estilhaçar-se vem-me mesmo à cabeça, com um deserto como pano de fundo e tudo, e não fodê-la até se partir toda. A libido está onde está, e eu prefiro sempre o irreal ou o surreal ao banal e previsível. Tenho sorte porque o meu cérebro partilha da mesma opinião.

Não sei fazer nada bem, nem sequer escrever, descobri isso há uns tempos. Toda a gente descobre isso eventualmente, e é aí que decidem que mais vale focalizarem-se na sociedade que nunca conseguirão romper, vivê-la ao máximo respeitando todas as regras e bajulando outras, para tentarem ficar ricos. Todos, à sua maneira, se perdem no caminho, e eu também me vou perder, de uma maneira ou outra, quer queira quer não.

O P, foi-se embora e não disse nada, mas pelo menos, por uma semana, não postará n’A Navalha – devido às suas ausências, reparo agora, esta não deve ser notada.

Crio imagens na cabeça que nunca me abandonam, são mais polaroids ou pequenos filmes de pouqíssimos segundos que passam, sempre, sempre, da mesma maneira. Quando a vida se conjunta para, num acaso de proporções totalmente cósmicas, me permitir finalmente realizar essa foto, essa montagem, esse pequeno slide show de acontecimentos, mudo sempre pormenores que, até essa altura, achava que tornariam o acontecimento imperfeito – justamente por não pensar neles.

Há uns dias atrás estava encostado a uma janela num prédio que parecia que ia ruir a qualquer instante. Lembrei-me de todas as frases clichés que se poderiam dizer naquele momento se caísse, como cada uma das pessoas que conheço reagiria, virei as costas e, numa casa que não era a minha, de repente não estava ninguém. Tinham-me deixado sozinho. Por momentos senti-me verdadeiramente sozinho no mundo inteiro – se alguma vez o tivesse sentido inteiro, claro.

Gostava de ir à Mongólia e o P. já me pediu para escrever sobre isso. A verdade é que já escrevi, aos dezassete anos, e talvez faça um post sobre isso. Entretanto: reparo que a minha voz muda consoante as pessoas que estou. Com os meus pais é quando ela fica mais aguda e feminina, com pessoas relativamente normais é normal, suponho, e reparo que sussurro muito, falo muito baixo e com uma cadência particularmente metálica, quando estou ao pé de alguém por quem sinta algum tipo de atracção.

Não tenho certezas, e não sei sequer se isso me aborrece ou me aflige – ou talvez diverte.

Tenho esta ideia: o perigo que se deve sentir ao fazer sexo com uma tipa cigana. Se os ciganos descobrissem, ou só alguém da família (suponhamos que o acto acontecia no próprio acampamento, quando todos estivessem ocupados com as festas de Verão), o que seria da minha vida. Por outro lado, o perigo e o depois (o facto de ela contar ou não) desse perigo devem ter o efeito de um autêntico afrodisíaco.

Já é tarde, apesar de ser ainda de tarde. Lá fora, na piscina, alguém treina mergulhos, um cão ladra um pouco ao longe, o calor estala pela casa, branca, toda.
Nos sofás que me são estranhos onde durmo, os cabelos molhados de suor, alguém me acorda com um beijo.

















J.

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quinta-feira, julho 27, 2006

O cansaço.

No corpo, uma dor sem dor, sentir o ar parado na casa à tarde, cheia de calor e na penumbra, as persianas fechadas, pôr a cabeça para trás e senti-la às picadas.










J.

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terça-feira, julho 25, 2006

ENSAIO: 1.

Hoje passei na minha oral.
Festejar? Diz-me o hipopótamo que submerge o ponto sem retorno. Havia uma história, uma pessoa, uma óbvia razão mas a onda de luz (a onda média) conheceu a onda curta antes de toda essa história, Festejar claro de uma maneira qualquer (Mas ouve: as travessias no deserto são travessias ao teu próprio silêncio, vendo o calor flutuarejar entre as dunas, tropeçando nas escamas das cobras de armadura e das serpentes com ou sem chocalhos. Os tuaregues comem tâmaras e desenvolveram relações de fala especiais com os camelos. Existem camelos no deserto, camelos e homens e casas de barro nos desertos; e
)

No deserto de sal o trabalho enquanto todos os seus ângulos de percepção mudavam consoante a luz do dia era o de arrastar os carris para o comboio, sorvendo sal de um lado e cuspindo água de outro, pudesse passar. Os carris estão presos a uma plataforma móvel de sal-gema que por sua vez está suspensa numa fina camada de água cheia de sal, sal por toda a parte no corpo do rapaz que puxa os carris para o comboio poder passar e sugar o sal, o sal, no deserto ninguém consegue comer ou fumar ou foder, o sal ou a areia ou os ventos dão cabo de tudo, e nem falemos da tundra, quando a tundra

O ERRANTE (de chapéu de abas largas, cabelos longos encaracolados, bigode, pêra e capa negra) – perscruto a infinita escuridão na alba dos caminhos cheios de giestas, ciganos, pó e cafés com calendários parados no seu próprio tempo. Ouço os respirares dos jovens secretos que fogem dos seus próprios vícios, aqueço-me nas fogueiras acesas junto à boca dos pescadores que aquecem as águas das praias desertas nos Invernos. Mas ainda assim, só consigo cheirar a morte por todo o lado, onde quer que vá só cheiro morte, não consigo de deixar de sentir a morte por toda a parte, morte, morte

O hotel é velho, antigo, e lembra-lhe uma casa cubana. Há um silêncio de pó que não é estranho. Está entranhado; o vento não é forte. Aproxima-se. Pelo Sol, é de tarde. Não repara no pormenor mas segura a mala, castanha, com mais força; numa só mão.
- Queria um quarto.
A sua voz é precisa, e distinta, na sua feminilidade, enquanto entra no hotel circular, cujo tecto se prolonga até ao fim do edifício, mas não surpreende as mexicanas, que a viram entrar, de cigarros na boca e encostadas de pé às varandas interiores.
- Si. Para esta altura?
O recepcionista responde-lhe depois de ela ter premido a campainha, e lhe ter feito a pergunta. Apesar disso, ela estava mesmo à sua frente.
- Por umas noites. Não sei se é incómodo, ou tem algum problema.
O homem muito queimado, e de laço, passa um braço por cima do balcão e apoia-se nele. Olha para os olhos fundos da mulher, por um momento.
- Não sei se vai encontrar o que procura, señorita – disse-o neutramente, não estranhando nada,;. o assunto como se fosse comum.
Suspirou e pôs uma madeixa de cabelo atrás da orelha.
- Estava a pensar em ficar por umas noites. Umas duas ou três, se não se importar.
- Vai a algum lado?
Quer lembrar-se, de alguma coisa. ,Mas, não rápida.; Olha para uma janela, e o Sol, agora grande, e laranja, cria reflexos seus na praia, e no mar. numa tabuleta na praia, mas muito ao longe, está escrito Esta, é a noite das facas longas.
- Procuro um sítio para ficar.
- Veio ao lugar certo, señora – tira, atrás do balcão um livro largo e preto. Passa dois dedos pela língua, algo lentamente, enquanto pega numa caneta presa a um fio.
Ela olha para o lado. O mar, lá fora, parece o arquétipo de uma música. Procura pelo maço do tabaco, onde o tem sempre, no bolso direito; a mão cega. Percebe.
- Não sei se havia um passado antes do dia de hoje
O sotaque cubano no empregado, por todo o lado

O ERRANTE – não consigo mais fazer qualquer travessia, cego, cego com o vento que me fustiga a capa e o chapéu e os meus olhos ressequidos, o vento grita-me nomes tentando fazer-se entender mas eu não percebo a sua linguagem, tento gritar também ao vento mas não consigo, da boca só me saem peças de teatro podres, não sei o que o vento diz e nunca o vou entender porque vou cegar, onde estão as freiras ardentes das ruas, onde está o cheiro a sardinhas assadas no pão misturadas com a sujidade lamacenta das calçadas, não vejo nada não consigo ver nada e tudo o que posso sentir é o vento a fustigar-me com os seus gritos os seus desabafos e a sua raiva toda contra mim e sempre este cheiro a morte na ausência de silêncio pelo vento, e cega

- Que te disse o médico?
- Tenho Sida.
- Tens Sida. E que é que o médico achou disso?
- Vou ter de começar a fazer retrovirais e a ter que tomar comprimidos a horas certas, e a fazer sexo com preservativos
- Tens Sida, vais morrer. Já estás completamente morta.
- Não, calma, é uma coisa normal no sentido de
- Tu estás morta morta morta, já estás morta! Estás morta!!

(o Errante esconde-se debaixo da sua capa sem dizer uma palavra e desaparece na escuridão)

- hahahahahahahah, hahahahahahahah!
Os pilares do salão suspenso no ar partem-se como vidro, as cordas da harpa que o sutinham retesam-se, partem-se, as magimoladoras que as tocavam gritam horrorizadas pelo chão se abrir em rupturas de grandes bocados de rocha, e mosaicos e espelhos duplos que, se terem nada para os prender, se estilhaçam no maior número de bocados que podem antes de subirem inexoravelmente ao céu, as anciãs quase-semi-menopáusicas chegam a encontrar um sabor a sangue no fundo da faringe quando arranjam todas as forças possíveis e imaginárias nas suas gargantas para gritar, e, estilhaça-se é certo o salão suspenso abrigado por um céu amarelo quando as águas jorram descontroladas dos pórticos que derrocam, é sempre o sinal que inaugura o fim, quando os pórticos deixam de segurar as águas e elas jorram, jorram, livremente por todos os lados, aspergindo tudo com a falta de sabor, à falta de melhor, girada da roleta

(A viajante une os dois desertos iniciáticos, e enceta-se a procurar o Errante, que desapareceu, entre os mundos juntos e fragmentados pela falta de sensatez de palavras, jogos de memórias e divergências sobre quais as coisas que deviam ter o dom da palavra. Demora o silêncio a instalar-se, os caminhos que, ao procurá-lo, desbrava, são outros. Adormece-se uma réstia de cinza de sémen, à esperança de cola, entre cada lapso temporal acertado e reorganizado por uma questão de conformidade com a palete de cores de cada dia. A viajante parte. É uma nova promessa que é esquecida.)

cala-se o hipopótamo, finalmente convicto que é único ser que resta vivo no mundo.











J.

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segunda-feira, julho 24, 2006

Ao cair do pano
Gestualidade –
Mãos conformes ao tempo
Cisnes
Ou apenas fragmentos de uma realidade perfeita

Imagine-se agora
procurar uma canção
tentar verbalizá-la, cantá-la
mas não se recorda a letra
ou como a melodia se transforma

De repente,
Ouve-se a primeira nota





P.

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sábado, julho 22, 2006

"Olá o meu nome é Raúl"

Mudei o meu profile no hi5. Não por alguma razão especial, apenas porque já estava farto do antigo. Não tinha nenhuma ideia pré-definida para o novo, apenas que o queria mudar e que queria que fosse ainda mais edgy do que o sue antecessor, então pus-me a inventar. O problema é que gostava bastante do meu profile antigo do hi5, escrevi-o nuns minutos rápidos, e lembro-me de ter pensado logo a seguir que ficou muito porreiro. Como não o quero perder para sempre e não tenho mais lugar nenhum para onde o pôr, aqui fica a versão antiga que dizia quem eu era, no universo do hi5. Acho que foi um profile muito bem feito, porque acima de tudo veiculava muito bem o que eu era, de onde vinha e para onde ia. E o que eu queria, e quantas vezes por semana ía à casa de banho. Agora, perdeu-se, e já mais ninguém o volta a ver, nunca mais. Ora bolas.



ABOUT ME

Olá. O meu nome é Raul. Tenho cabelo loiro e há quem diga que suponho apenas um fulgor de cobra, mas na verdade e apenas o rastilho do meu medo por todas as magnetizações que se sentem no dorso das galáxias que nascem nos vossos olhos, quando ficam surpreendidos – e, enfim, como um assomo – se o ar então não será de algum modo tóxico, tudo o que restara e a pretendida e arrancada com lágrimas de não sei bem quem normalidade.
há espaços entre os meus lábios que dizem que me nascem na cabeça, buracos negros de puro sentimento hexagonal, quase como dizer uma metáfora elevada ao cubo. Não pretendo descobrir o porque de toda a duvida, se me duvido permanentemente: como ter a certeza que estou certo? pois então que eu talvez seja uma dúvida em mim mesmo. Ou seja, perguntem-me, e eu responder-vos-ei quem não sou, todos os dias que não existem fora de vocês, e o que restara eu no entanto, não serei decerto.




WHO I’D LIKE TO MEET

(A mão é uma pedra de estrelas de sangue numa frescura de escuro, ouviu-se; os gatos queimados pelo medo fugiram e o adeus desapareceu, não se dissolveram sequer os espasmos incontroláveis das luzes dos candeeiros de sangue sujo, e coalhado; Nem tanto uma boca - mais, uma presença que se devorava.)





OCCUPATION

Prostituição.










O resto fica por lá, na mesma, não modificado, para vosso pessoal deleite ou o que bem quiserem.












Tendo rapidamente que me ir embora para ir fazer o jantar à minha vizinha,




J.



P.S.1 - O P. está bastante empenhado em regressar à Navalha em grande força e estilo, pedindo-me a minha diminuta colaboração para tal tarefa. O problema é que eu tenho uma oral terça feira e, infelizmente, nenhum tempo mais que este para embarcar em projectos paralelos que otherwise até seriam muito estimulantes. De qualquer modo fiquem à espreita que ele, de cuecas com a imagem de josé sócrates no rabo e toalha de mesa a imitar uma capa com capacete de mota a condizer e peúgas, é capaz de aparecer.


P.S.2 - pedidos indecentes para aqui pôr o endereço da minha página serão tratados com a proverbial gargalhada e o proverbial erecto dedo do meio.

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sexta-feira, julho 21, 2006

______________________- | , - Parte final: Prefácio.

Vestia-se com cachecóis, lenços e calções. Ouvia jazz em segredo, porque não gostava de compartilhar o que sentia com ninguém, quando o tocava. Dedicava-se a encontrar lugares desertos na cidade – prédios abandonados, lugares de obras por acabar, túneis e esgotos a céu aberto, e gritava nomes de palavras que inventava nesse momento: palavras que faziam sempre sentido, como mangrévias, hexálicras, nerjatores de ciplodénico ninfomático, por vezes algumas eram belas. As palavras, digo. Vivia os dias como sketches de um quadro inacabado, mas esquecera-se, é claro, da ideia inicial – e final – de como ia ser a pintura. O pai deixou-lhe antes de se deixar afogar por horas líquidas duas lupas e a cabeça de um lobo embalsamada, que nunca falara. No início. Temera a serpente, mas aprendeu a calá-la pensado a preto e branco ideias repetidas, imagens repetidas e sem sabor algum. Tudo a aborrecia, até a sua própria excentricidade. Adormecia no meio do chão das faculdades, desejando que quando acordasse tivesse outra cara, e outro tipo de fomes. Maltratava o vento. Devorava-o, por vezes, mas acima de tudo era o vento que a cortava muitas vezes quando não se tapava bem. E quando ele soprava com mais força, as pontas de cigarros apagadas, as folhas, as pastilhas elásticas, as embalagens e o sebo das ruas e das estradas misturados com o pó fustigavam-na, e nem assim ela ousava dizer uma palavra de desagrado, apesar de sofrer horrivelmente. Quando a vi pela primeira vez foi à distância; acabara de se atirar ao rio e ficou a boiar durante pelo menos duas horas, até eu e um amigo meu nos cansarmos, também, de a ver. Acredito que ficou assim a noite toda. Na segunda sorria e, com as mãos, mexia em chamas que o vento apagava mas com o seu girar de mãos se acendiam novamente, raspando a sua raiva contra ela, chamuscando-lhe as pestanas e as sobrancelhas. Isto foi há poucos meses. Parece que foi há muitos anos. O tempo em que a vi, e não ela, porque está sempre presente. Suponho que sabe que fica mais nova a cada dia que passa, quando sai à noite e a Lua a queima, como se a sua luz fosse uma lama ácida. Por vezes repete palavras que não entendo, e é então que penso que até os animais podem amar o sangue verdadeiro. O sangue que cai, e marca como um presságio o dia que aconteceu, ou a mudança brusca, e eminente, que está para vir. O sangue que tem cheiro, medo e significado. O sangue que nasce nos olhos e na face quando é visto e que não morre. Essencialmente, era como uma figura a carvão inacabada. Impossível de se esgotar, ou de se nomear, em palavras ou lucubrações sobre quem seria de facto, quando um dia se aproximou de mim e me sussurrou ao ouvido algo que nunca mais vou esquecer.

Tal como esta história.




















J.










(pela ausência, as orais. Tenho a última para a semana, e se tudo correr bem, também a essa passo).

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domingo, julho 16, 2006

______________________- | , parte 2

Tinha o hábito de ir a Alfama às segundas e terças à noite, quando ninguém vai para os copos para a poder apanhar mais vazia. Levava óculos de sol para poder ver tudo o mais escuro possível, e metia-se nas ruas estreitas e subia e descia as escadarias que nem de dia se encontram. Era uma nadadora, uma mergulhadora. Sentia que o ar era um miasma púrpura, escuro, e as luzes dos candeeiros amarelas, coalhadas pelos óculos, eram tons de castanho no meio da escuridão total. Falava raramente, pois da sua boca saiam por vezes andorinhas de gelo ácido, sem o conseguir controlar, que batiam as asas freneticamente. O seu pai media quatro metros e meio de altura e tinha o dom da parca palavra como ela, não mergulhava. Na escola gritava quando lhe apetecia e mordia os colegas que falavam demasiado com ela, adormecia nos intervalos das aulas nos corredores de pé, encostada às paredes. Todas as noites uma cobra que não rastejava cor de prata a ia visitar ao quarto. Não conseguia encontrar palavras ou sensações que lhe fizessem exprimir a revolta que tinha pela serpente, sempre que esta lhe exortava a que tornasse a sua mente num ponto incindível branco de luz. Mas ela não o tentava porque tinha medo que morresse, e que a cobra lhe estivesse na verdade a exortar ao suicídio.
















J.

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______________________- | , parte 1

A sua principal qualidade era a palidez. Não a palidez da pele, mas a palidez que saia dos seus olhos quando reprimia memórias, acontecimentos, sensações. Dizia que era virgem e sodomizou o primeiro parceiro porque a sua mãe sempre lhe dissera que a electricidade embebida no café tem um sabor a livros. Urinava quando podia em todos os retratos e fotografias do Kurt Cobain que encontrava, porque sentia que profanava a juventude. A pessoa de quem mais gostava era o vizinho que ouvia indie rock (que ela detestava) e que usava óculos à emo e casacos à emo e saia para o bairro alto às sextas feiras à noite. Gostava dele obviamente porque era a pessoa que mais gozo lhe dava não suportar, até porque sabia que ele gostava dela. De noite, abria o armário e uma onda de de vento violeta transportava facas e cinzas e asfixiava-a caindo no tapete, com medo de morrer sem conseguir respirar, madeixas de rastas perdidas que lhe saim do armário para a boca. E calças de ganga minúsculas para miúdos de quatro anos e ossos de vidro com números escritos. Quando acordava abria as cortinas de par em par e via que o céu flutuava, pulando, por cima da sua casa















J.

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sexta-feira, julho 14, 2006

!?

Acho que isto é importante: uma pessoa qualquer veio dar à Navalha depois de ter procurado no google "a minha alma sangra góticos".










para todas as góticas giras e não demasiado
pintadas (nunca demasiado pintadas),

J.

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terça-feira, julho 11, 2006

América, o Mississipi, e outras Viagens.

Tenho uma paixão pelo rio Mississipi e pelas terras à sua volta. Uma paixão não assim tão antiga, mas ainda nunca mitigada. O Mississipi é uma zona mágica, considero-o, mas não pelas razões normais que tornam qualquer local mágico, claro. Imagino as estradas poeirentas cheias de Sol, as povoações de poucas pessoas, salpicadas de negros e brancos com os seus sotaques cerrados e provincianismo, uma bomba de gasolina e um café, e velhos pretos nos alpendres de casas de madeira a tocarem blues límpidos, verdadeiros, em guitarras ou harmónicas velhas. Calor que a minha paixão pelo Mississipi é a minha paixão pelos Blues, e vice-versa. Começo a descobrir, aliás, que já nem são tanto sequer os blues dos anos 50 e 40 de Muddy Waters ou John Lee Hooker, por exemplo, que mais me atraem; são aqueles blues cantados por mulheres, ou apenas por um negro qualquer desdentado e velho como a cadeira onde se senta, a tocar guitarra e a cantar com uma voz como se tivesse enfiado de barbear com aguardente pela goela abaixo. O pó das povoações, das carrinhas pick up e das loiras gordas com sotaque cerrado contrasta com os pântanos, mesmo ao lado desses lugares. Eu não sei, eu nunca os vi de facto, mas cada lugar mais invulgar e único tem o seu quê de ilógico, e é, provavelmente, o que acontece com o Mississipi. As casas esquecidas no meio do pântano, alcançáveis apenas por barco e rodeadas por crocodilos, o ar e a luz do lugar – tudo isso eu queria descobrir, um dia, acompanhado por um amigo silencioso ou uma amante que compreendesse que aquele lugar me chamava. Alugar um daqueles carros americanos que engolem às golfadas gasolina, e ir indo pelas estradas sempre rectas, que acompanham o percurso do rio. A ideia, mesmo que solitária, é romântica, é claro; e não posso pedir que, a toda a altura da minha viagem, ouça uma guitarra a dedilhar uns acordes cada vez que chegasse a uma cidade. Mas é o que eu quero fazer, um dia, se for aos Estados Unidos: nem tanto ir a Nova Yorke, por exemplo. Gostava era mesmo de conhecer o país dentro do país, os lugares esquecidos que, por mais filmes que se rodem, ninguém mostra; as vidas esquecidas de pessoas e lugares sem voz, alguns decerto mágicos e únicos, precisamente por, talvez, estarem esquecidos por tudo e todos.
Percorrer o deserto e desembocar em Chicago, atravessar todos os Estados ao sabor do contador da gasolina. Descobrir os pântanos, the marshes, the wet lands, descer o rio inteiro, e voltar ao ponto de partida, tentando estar pronto para regressar.
Estou certo que voltaria uma pessoa diferente. E é também isso, justamente, que mais me faz querer encetar essa viagem ao interior da América deserta, esquecida, estranha, surreal. À América pela qual eu, um dia, me apaixonarei.

Essa Viagem.














J.

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segunda-feira, julho 10, 2006

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E então um dia comecei a andar com esta miúda: conheci-a em casa de uns amigos dos meus pais no aniversário do irmão mais novo dela. Era muito simpática, e ria-se muito com as minhas piadas, gira - tinha um cabelo meio desarranjado mas eu gostava, e não era muito gorda. Encontrámo-nos mais um par de vezes antes de andarmos juntos, ia buscá-la a casa de carro e passeávamos pela costa, ela gostava. Era trissémica, gostava muito de adivinhas e andava muito bem de patins. A mãe dela gostava muito de mim, cada vez que eu ia lá a casa costumava dizer que eu era a alegria da filha
Dávamos passeios junto à praia














J.

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domingo, julho 09, 2006

Daisies Of The Galaxy

Uma estrada poeirenta, edifícios em linha junto à estrada (sempre de frente, vejo-a sempre de frente, perpendicular a ela), e, a cinemateca, velha, com néons vermelhos já a caírem a brilharem Daisies of the galaxy. Bem sei, a cinemateca chama-se na verdade Galaxy teather, e as daisies que ele apanha (numa estranha, estranha relação homossexual…) são de um campo de flores ali ao pé, contrariando a cidade pequena, no meio do deserto, bem ao estilo das povoações americanas. Mas depois um som sai-lhe da boca, lábios em forma de “o”, como se de um trompete se tratasse, e isso deixa de ter importância alguma: Mr E e o seu desconhecido amigo, a cidade, o filme em que o mundo acaba (e, aqui, também imagino que é passado no maior silêncio total), a cidade, as flores, quem
sabe, no meio do chão, esquecidas, não cumprida a sua função – tudo deixa de ter muita importância. Era suposto alegraram-no, as Daisies; mas nunca ficamos a saber se elas provocaram ao menos o único sorriso que alguém consegue mostrar, ou imaginar, durante toda a música












J.

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sexta-feira, julho 07, 2006

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Não se passa nada
Apagam-se frases, escrever
Escrever está nos momentos com a duração dos sabores na boca
Sensacionismo ou um onirismo bajulador assexuado
Já não sei
Esta ou aquela
Música parda ou o silêncio de dia ou de noite
Já não sei, já não sei
A idade, qual é
A idade certa do próprio tempo
Drogas recreativas ou o cérebro cheio de oxigénio que cega e
Já não sei, já não sei
Todas as mulheres que se sentiram nos lábios
?

Não sei, já não sei.






J.

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fui às profundezas do inferno buscar o meu patinho de borracha e ainda ensinei o diabo a jogar xadrez antes de voltar

Ouçam bem!
não posto nada até amanhã. E não vou fazer posts sobre futebol ou sobre a minha oral ontem, ou como fico espectacularmente bem de fato

estou em greve mental até logo à noite

é a vida, chinchillas



até lá, dá-lhes com a alma, Jorge.










J.

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domingo, julho 02, 2006

_.|||||||||| parte 2

É certo: falei de tartarugas bípedes pedófilas que exortavam pessoas a deixarem tudo para trás e a seguirem-nas, criei textos só falando da obliquidade da luz numa tarde límpida sobre o tampo de uma mesa, encetei um diálogo entre duas pessoas que andava à volta de um insípido livro que não especifiquei, falei de ervas, pórticos, estradas que se percorriam como um rio e ventos num mundo deserto num post há uns meses atrás; e do ritual de uma mulher cortar o clitóris no seu quarto vá-se lá saber por que razão, e o depois desse mesmo ritual. E, com demasiados floreamentos, é certo, acabei por contar uma história acerca de uma tipa esquizofrénica que quando se passava ia para o meio de uma lixeira seguida pelo seu namorado que, penso agora talvez num impulso fetichista, a fotografava sem cessar. Mais ainda, meus senhores: cheguei a admitir que existiria um novo sentimento nunca ainda antes denominado (apesar de já provavelmente sentido por outras pessoas) ao qual não consegui ainda dar-lhe nome, chamando-lhe muito interessantemente Depois do Riso - parti-o em várias partes com histórias semi-verídicas exemplificativas e fiquei tão baralhado quanto antes. Opinei enquanto Encalhado (agora já nem tanto), falei em sonhos como paisagens líquidas e miúdos que comiam alcatrão enquanto tangos agressivos e homicidas soavam ao longe. E admiti apaixonar-me por uma esfarrapada e de pele muito morena por estar suja exactamente no meio de um campo de despejos de resíduos de uma vidreira (obviamente, estamos aqui a pensar na zona da marinha grande). E dei a um fio de baba de uma trissémica o nome de Matias. Tudo bem, tudo bem: escrevi sobre isso tudo, e sobre a minha contraparte demoníaca com um sorriso mais sedutor mas mais cheio de caninos e mais silencioso que me ficava a ver vestir todas as manhãs empoleirado na janela do meu quarto, para (suspeito) seu pessoal prazer. E ainda consegui falar sobre a feitura do pão; bem como iniciar um ensaio sobre a Palidez. É certo, é certo tudo isso. Mas eu não escrevo SÓ coisas estranhas. E, sobretudo, a forma como é dito isso parece implicar que tudo o que é estranho é mau; no entanto, não ficaram pelo menos, mesmo não gostando do que se leu, com imagens interessantes e novas que nunca passou pela existência de algumas pessoas? Não é bom saber que olhamos para a escrita não como uma forma insípida de contar uma história um passar uma mensagem mas como veículo de expressão artística?






J.

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sábado, julho 01, 2006

_.||||||||||

Perguntam-me sempre porque é que só escrevo coisas estranhas; nunca me perguntam porque é que só mostro as coisas estranhas que escrevo.





J.

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