quinta-feira, junho 30, 2005

Sonho 1.

Quando disseram que eu era inferior a ti plantaram uma depressão de vento no canal do meu umbigo, Eu disse, sei o que pensei pelo menos com as minhas mãos que davam à luz golfadas de morcegos de luz opaco-vermelha , Não acredito, não é possível, Agora
Agora estou perdido num processo de risos hilariantes de cicatriz, agora no meu quarto de paredes de água oblíquo-onomatopaicas 14 mulheres saudar-me-ão oferecendo-me bocas de garfo e peitos de árvore milenar, Estás
A tentar anular-te gramaticalmente, questiono Um cozinheiro vestido com metal de todas as cores e oito braços sincopados em Z recita em termos de ópera soporífera Past Present and Future Tense enquanto aranhas que perco a conta lhe sobem rimando pelo corpo em acasalamento Isto nunca aconteceu Mas eu vi-te ir num grito de mil janelas estilhaçadas, Contando os corpos o Jardim Meronvigiano assoma como um espasmo soluçado Mulheres nuas e todas elas loiras fazem sexo tão silencioso que se torna violento com tigres de bengala que me sorriem eruditamente Tu hesitaste Sim hesitaste enquanto ele morria em si mesmo numa gargalhada cardíaca e tarzans estáticos de pele roxase riam das lanças de fogo que raivosamente gritando se desintegravam no ar Deitados de costas em pilares cobertos num oh eu admito Supra-amarelo céu onde as nuvens convergiam em espirais hipersónicas de medo corpóreo com olhos mecânicos Tu na toda sua omnipotência Tu hesitaste Sim tu hesitaste eu preparava-me para questionar o mistério da tua ausência enquanto as estátuas gregas que adornavam o jardim em ruínas propositadas engoliam e chafurdavam nas metáforas nas mentiras Nas maquilhagens artificiais e nos corações desenhados que vomitavam em gestos fluidos das suas bocas de pedra Isto nunca aconteceu Mas eu vi-te ir Enquanto desistia e voltava a subir para a minha cama de facas farpadas num desintegrar de fogo líquido para enfim Adormecer.










J.

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segunda-feira, junho 27, 2005

L' Via L' Viaquez

A Via Velasquez está
cheia de mães que riem em
soluços de touradas, estão
acordeãos a imitar pianos e toureiros bem sucedidos
tentam fazer amor com as guitarras.
Estão
Curiosas invejas nas mulheres morenas
Com bigodes nos cachimbos Na Via Velasquez
o que achas voltas
a perder face aos miúdos famintos
por alcatrão
Por manequins sem faces reflectidos
no espelho do Homem. Chantagens fecham
os postigos das ferragens e
eles nem se queixam nos
seus gritos revolucionários que sabem
metalicamente a carne
podre da garganta. A Via Velasquez ouve
as leis de facas em cuspidelas
de tangos e as velhas cosem mantas.
devoram-se na anulação patética de mais um
põr-do-sol
Nos seus gritos
Ludocidas. Todos.










J.
21/43/02/05/05

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domingo, junho 26, 2005

lisboa.[apenas mais um pouco.]

Cansadas crescem as ruas de lisboa, prisioneiras do desejo que por elas vagueia. Como um beijo que nunca termina, lisboa é poesia; mulher consciente da sua sensualidade. À beira tejo perdeu a virgindade, procurou o seu apetite, aquelas luzes que não podemos ver - cada brilho nos olhares que a percorrem, despindo-a. Onde estás?, agora que por ti imploro. Cada noite a melancolia fadista que emana do cobertor rasgado e dos jornais sujos de mais um vagabundo. Queria confessar: A noite passada sonhei contigo, sonhei amar-te; até que te vi, lá no alto, no topo do castelo mais romântico do mundo. Lá no fundo, senti-me afundar, por todo o lado preenchias a lua cheia. Tricotavas o novelo do tempo como se soubesses que tudo aqui te pertence. Então sorriste. Senti-te falar, senti-me tocado. Como dizer, eu agora te percebo. Ninguém nos conta o passado. Ninguém nos promete o futuro sem saber que se enganará. Eu queria conceber só mais um pouco; reconheço-te tão bem ao sabor desse ritmo que carece de simpatia. Nunca será demais lembrar, menina tonta, que os teus gestos sábios são a minha mais triste melodia. Fala comigo. Por favor, finge ser criança cega perante o teu ar cinzento, de princesa, já mal te vejo, todo esse atrevimento, mais um sorriso solto, agora matreiro, sabes, queria contar-te quem sou quando estás longe de mim. As dádivas da noite, disseram um dia, são eternas. Queria saber, quem te eternizou em glórias e aventuras, o que resta desse tempo senão a saudade? Esta noite quente é apenas mais uma extensão dos teus lábios, como beijar-te sem esquecer meu nome, como te ter sem temer o engano. Só te queria fotografar. Deixar-te imóvel. A forma como te metamorfoseias a cada dia, a cada instante, a cada prostituta de andar penoso, a cada bar, a música, os copos contínuos, gargalhadas sonoras, a pedra da calçada a gritar por socorro, os casais que se abraçam, as sombras que te seguem, as faces cansadas, a brisa suave, o néon que se estende, as navalhas translúcidas a trespassar os corpos – somos todos teus amantes. Quanta magia podes conter. Como te magoam. Como danças desatenta. Desejo-te. Vem, vem ter comigo. Faremos a tal viagem alucinante que te prometi no tempo em que deambulava feito marginal, mais um jesus cristo de cabedal; chegaremos ao âmago do nosso desespero enquanto o ar ácido destes dias luta por nos prender. Criaremos velocidade, alguém nos ajude, sinto-me tão filha da putamente sedento e agora só quero estalar os dedos, senti-los partir, acreditem quando vos digo que beijo os corvos, todos eles negros, nos bicos que anseiam por carne. Quero entender. Quero relativizar a minha identidade. Quero que me aceites da mesma maneira que te aceitei, gritando. É agora. Está tudo a acontecer. Toda esta preciosidade, que faria sem ti? Onde irei senão contigo? Começo a achar que desististe. Que te deixaste violar. Que esqueceste a tua força. Não, não me desiludiste, descansa. De ti espero apenas mais um poema.

Acreditarei em ti quando mais ninguém o fizer.

- Acreditarei em ti quando me mentires. -




Peço-te, lisboa, se ainda me podes ouvir, Fica comigo esta noite.
Faremos amor ao sabor das palavras.
No dia seguinte, voltarei para te ver. E abraçar. Agora para sempre.



P.


(não escrevia para A Navalha há já um tempo. este texto é, portanto, a procura de recordar esses laços afectivos.pela ausência de cerca de duas semanas, a maior desde o inico da minha actividade bloguística - ai o pretensiosismo -, peço desculpa. a vocês e a mim próprio, passe o termo. por vezes forçada, outras tantas apenas fruto da simples falta de imaginação para corresponder ao que aqui me comprometi, desde o primeiro instante.
A Navalha não irá enferrujar.)

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sábado, junho 25, 2005

Variações.

Despe as tuas roupas, por favor; não deixes que eu veja como és feia com elas postas.
Recomecemos.
Conhecemo-nos num lugar estranho até para mim, se lhe pudesse chamar um nome;
Dar um nome aos locais inúteis – o nome já existe, mas eu queria dizer algo mais que uma Vidreira. Sopravas vidro num trabalho para homens num local perto das praias abandonadas, onde a areia está contaminada.
Onde
Eu te conheci. Numa vidreira. Não é incrível, penso agora, enquanto te peço para não esconderes as cicatrizes que tens no corpo; que se passa. Porque estremeces ao meu toque… ;Deixa-me colocar estas questões quando acabar de me lembrar a primeira vez que olhaste para mim, o teu tubo de ferro e as tuas mãos com luvas grossas a virarem areia incandescente na forma de uma jarra. Silêncio.
Era tudo o que havia na zona fabril que parece que, aqui nas terras estranhas de Portugal, se situa no fim do mundo – não existe mais nada para além da estranheza gigantesca das fábricas, e encontrar o amor da minha vida num local tão improvável – só podia ser aqui, penso. E lembras-te da primeira vez que nos vimos? Depois de teres olhado para mim…tu juras que olhaste primeiro...
(parêntesis)
Possível ainda de se dizer que gosto do amor em locais e pessoas estranhas, para poder ser mais fácil reinventá-lo, e depois recriá-lo como ele deve ser em nós. Frases curtas como suspiros, percebes. O amor é um poema sem rimas. Um poema talvez (),tenho a certeza, terá sido… sim, foi, a forma como nos observámos com fome enquanto os meus pais escolhiam as peças para decorar uma casa que eles diziam ser nova;
O amor entre os meus pais também se recriou nessa casa nova.
Vou apagando pensamentos enquanto cada tua peça de roupa cai.
O que equivale a dizer que, se no dia a seguir fui ter contigo, porque há respostas para perguntas que os nossos corações fazem que simplesmente sabemos, tudo o que aconteceu foi algo tão necessário como a minha respiração a saber, a sangue
Agora
Enquanto eu desaperto o meu cinto negro. Tudo o que aconteceu foi sede antes das palavras. Antes da decifração mútua de um no outro.
Tudo o que aconteceu foi
desejo.
Agora, peço-te.
Vamos responder-nos.











J.
Apeteceu-me algo belo. E estranho.
não o consegui.

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terça-feira, junho 21, 2005


ningu�m o sabe, mas o meu pai, agora com 48 anos, quando era puto, foi o primeiro emo kid da hist�ria. eu s� posso ser o primeiro storpe, mas isto j� � uma private. Posted by Hello

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quinta-feira, junho 16, 2005

400!

Instalei o bravenet counter (à direita, na nossa apresentação giraça em tons de rosa do nosso blog Navalha), pensando que a dada altura o número estabilizaria. Quando ultrapassou os cem, eu pensei, tenho de escrever um post sobre isto, a Navalha chegou a números inimagináveis para nós; quando eu e o P. começámos o novo blog, e deixámos os textos gigantes, pesados e geralmente esotéricos do nosso blog anterior para trás, a ideia era começar algo mais sensual em termos de escrita, mais aberto, que gritasse Vanguarda, bom gosto e falasse um pouco mais também das cenas do dia-a-dia, mais afinal para vocês do que para nós, porque são vocês que lêem este blog; queríamos que vocês gostassem mais do que lessem, queríamos ao fim e ao cabo agradar-vos, agradando-nos. Não é nenhum favor que fazemos, este foi o rumo que quisemos simplesmente tomar depois de um blog mais pesado e nem sempre positivo;



A Navalha é positiva, acima de um ponto de exclamação; acima de tudo, é uma complementaridade da nossa vida em comum, eu e o P., e do nosso fascínio permanente pelo mundo; é parte da mensagem que criamos na nossa vida, é uma história de amor com Ela. A protagonista é obviamente a Navalha em si.


Mas não esperávamos nada, é verdade, e sabíamos que, além de (como agora) andarmos por vezes ocupados, éramos também alvo de uma diletancia crónica, de uma preguicite aguda que se traduz talvez mais em qualidade que em quantidade; a ideia no entanto era a de tornar, mesmo assim, este blog o mais diário possível.

Passando a duzentas? Duzentas pessoas a visitarem a Navalha. Metade delas provavelmente a passar por acaso, estrangeiros, usando o botão de blog search, quando não há nada para fazer quando se está na net. Cem pessoas a cortarem-se por momentos ao Sol, ou deixando que a líquida se entranhe nas feridas abertas do desconforto por qualquer motivo. Era um motivo de orgulho do caraças, eu acho. E duzentas pessoas, trezentas pessoas, e eu a querer fazer um post egocêntrico a congratular a Navalha. mas, há, também para quê preocuparmo-nos com isso. E assim não postei, e só o faço agora porque espero que a aspirina que tomei faça efeito, a dor de cabeça passe, e eu possa enfim ir estudar, ouvir música enquanto estudo, e, sei lá, mesmo assim, me sinta feliz por saber que daqui a nada entro de férias.


A Navalha tem mais de 400 visitantes. Dêem-lhe os parabéns por um número tão insignificante no mundo da blogosfera, mas muito maior do que alguma vez nós sonhámos que esse mesmo número seria.




J.



P.S. a todas as pessoas que vêm cá e NUNCA comentaram, façam-no agora, com olás, com nada se quiserem só o nome, com críticas ou com um boa sorte para tempos futuros, e a Navalha vos procurará abençoar da melhor e única maneira possível, a maneira que sabe.

Com mais cortes futuros.

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terça-feira, junho 14, 2005

Placebo

Este post pretende inaugurar uns posts quaisquer que eu sei lá. Este não é um bom começo; mas eu queria falar de placebo, a minha banda em tempos preferida – e que raios, ainda gosto muito dela, ainda gosto, é verdade. E assim, depois de um exame de três horas, vinha eu cansado para casa porque tudo o restou ou está em aulas, ou estuda para outros exames, para escrever sobre placebo; enfim, dava-me a pica,era um post que queria escrever. É mais fácil escrever sobre placebo do que sobre radiohead, e apesar de ser menos emocionante do que escrever sobre outras bandas, não deixa de ser justamente a banda que conheço melhor – é a única banda da qual faço questão de ter todos os cds autênticos, há algo nela que ficou sempre irremediavelmente preso ao nono ano. Placebo, então.
Não é uma banda genial, não é uma banda fantástica. Placebo são aquele glam que dizem não ter e têm; não é por acaso que participaram no velvet goldmine, ninguém é assim tão inocente. Eu conheci placebo ainda não sabia sequer o que era música decente – e placebo, se não é música genial, é ao menos música decente.
No nono ano não havia ainda quase net, e eu era bastante acéfalo, era mais difícil procurar, encontrar coisas, havia bem menos dinheiro, that’s for sure. E se falo como um cota, não é por acaso, em cinco anos as coisas simplesmente mudaram bastante, eu sinto isso. Conheci placebo encostado a um dos bancos de pedra do campo do meu carinhosamente odiado antigo colégio; nessa altura eu não era minimamente nada do que sou agora, nem um pouco. Se tivesse toda a teoria, todo o pensamento de saber o que queria ser, sentia que o meu colégio me prendia, não me deixava evoluir como ser humano. Foi aliás o que me fez sair de lá, mas de volta a placebo. Digo que não era uma pessoa interessante porque me comparava com as pessoas que achava que o seriam; musicalmente falando, cinefilamente, etc. para mim, essas pessoas era o bernardo e a mariana, pessoas que eu de facto achava muito interessantes, mas estranhamente nunca me quis aproximar deles. Digo, estranhamente – é o que muitas vezes pessoas fazem, à força. Não, nisso sempre tive alguma dignidade. Lia bastante, mas música não ouvia nenhuma. Ouvia bastante (vergonha, era miúdo) silence four, e tinha descoberto linkin park, quando ninguém ainda o ouvia – o cd tinha acabado de sair, e eu, como não conhecia mais nada, achava aquilo simplesmente a melhor coisa do mundo, o rock mais a abrir que conhecia. Um ano depois, a medo, voltei a pôr o cd a ver se ainda gostava do que lá estava e até me ri por achar cada música vazia, nojenta, de riffs simples. E se eu ouvia linkin park foi na altura que ninguém ouvia, e que passado uns anos começaram a ouvir, porque aqui em Portugal a panca por essa banda horrível é também tão forte. Mas eu não considerava linkin park edge, outstream (nem sabia o que isso queria dizer) ou o que quer que seja.
Por acaso outstream… fui eu que inventei essa palavra… nunca a ouvi em nenhum lado. Sei lá, é mais fácil do que dizer emo, ou indie, ou alternativo – é outstream, o oposto de mainstream.
Não considerava outstream porque simplesmente o bernardo e a mariana não o ouviam – quando andava nos maristas, admito, as minhas referências eram aqueles dois, no nono ano andavam completamente pancados por korn, e eu simplesmente não sabia o que era. O Gonçalo também os ouvia bastante. Eu não fazia a mínima ideia o que era korn, fui ouvindo umas coisas – simplesmente não dava para sacar nada de lugar nenhum, ou se comprava o cd, ou se viam todos os programas de música, ou nada feito. Eu conhecia muito pouco de tudo, para dizer a verdade, mal conhecia nirvana, é verdade – conhecia a lenda, conhecia algumas músicas, nada mais. Desconhecia eu que, lá fora, miúdos como eu mas em escolas oficiais já os conheciam desde os 12, 13 anos.
E de volta ao banco de pedra nos campos secundários, sei que era num intervalo de almoço, sentei-me ao lado da mariana que ouvia o que quer que fosse; eu não o sabia. Perguntei-lhe o que é que ela estava a ouvir, era placebo. A minha primeira reacção foi dizer que aquilo era uma mulher com voz estranha a cantar. Não sei muito bem explicar o que se passou, não fiquei agarrado. Mas esse foi o meu primeiro contacto com placebo, e o albúm era o black market music, álbum que agora ouço – queria ouvir o without you I’m Nothing, mas esse e o primeiro estão emprestados ao Coisão (piscadela de olho para a Ynês). Pensei que placebo devia ser uma banda obscura qualquer que ninguém devia ouvir. Mas eu gostei muito, a mariana deve ter curtido que alguém gostasse da sua música (umas semanas atrás dizia-me, quando lhe perguntava o que estava a ouvir, Goldfrapp, Mas tu não conheces goldfrapp?? Como é que é possível? E de facto nunca tinha ouvido falar de uma das minhas bandas de hoje preferidas de electro. Um gajo muda, evolui, cresce, quer-se mais. Eu cresci muito para a música.) a música dá muito a uma pessoa, ponto final. E penso que me emprestou o álbum – emprestou-me o without you I’m nothing, quando comprei depois o black market music.
Eu ouvi o black market music (quando não tinha muito dinheiro nem tinha net, nem tinha conhecimento musical para comprar mais nada) durante umas férias inteiras de verão , e antes disso, até ao final do ano, até ao ponto do enjoo total. Depois pu-lo de lado dois anos até voltar conseguir a pegar nele, mas ainda hoje é raro ouvi-lo – quando ouvimos muito um álbum, tudo o que ouvimos dele, ele já nos deu, de cor. Safam-se poucas, pouquíssimas, bandas geniais – penso nuns the doors para mim, nuns beatles para um bando de cotas que eu nunca percebi porquê gostarem de uma banda que parou no tempo – a música dos beatles se fosse feita hoje ninguém a ouviria, mas the doors por exemplo continua intemporal. Mas adiante.
Comprei não só no mesmo dia com um cheque disco da Valentim de carvalho placebo, como também o parachutes dos coldplay. Não me senti importante, mas sabia que estava a caminhar noutras direcções. Mas não foi placebo que mudou a minha vida musicalmente, foi um chato colega que eu tinha no décimo ano que estava sempre a dizer, Tens de ouvir radiohead, ok computer, é genial. E tudo o que eu conhecia deles era os singles, e não me pareciam geniais. Esse álbum mudou a minha vida e ainda hoje o considero um dos melhores álbuns da minha colecção, ouvi-o também muito, muito, até demais. Pensava que nunca me iria fartar de algo tão genial mas a verdade é que me fartei. Fartei e muito. E até hoje, criou-se um dilema em mim. Quando compro um álbum que acabo por adorar, ouço-o o menos possível. Pretendo “gastá-lo” o menos possível. É assim. É um dilema criado pelo músico, pelo que procura, sempre mais afinal. Mas e se falássemos de novo de placebo? Agora toca a spyte & malice. Já não ouvia este álbum há tanto tempo…
O melhor álbum dos placebo é o segundo, acabou. Eu talvez que tenha começado placebo da forma mais desordenada possível, comprei o terceiro, o segundo, o primeiro, e agora estamos no quarto. E, de todos, o without you I’m nothing continua a ser o melhor, e parece-me que eles nunca mais farão nada melhor que isso – o sleeping with ghosts e o best of, the singles, que comprei, parecem confirmar o meu receio, estão-se a virar muito para o disco e para o electro. E, se eu gosto de mudanças nas bandas, não as quero nos placebo. Eu quero placebo que são placebo, eu não quero que eles mudem! Eu quero que eles me continuem a proporcionar viagens como a de without you I’m nothing, black market music, e placebo, embora seja um disco mais de canções do que unitário. Eu quero isso, quero aquela música a abrir tão deles, e quero as baladas gays do brian molko. Quero cantar my sweet prince sem me importar da letra, quero vibrar com evil dildo e cantar por Lisboa com o P. a you don’t care about us, depois de uma trip descomunal de altos berros de break shithouse. Placebo é isso, placebo é a fúria crua e bela de lady of the flowers e Bionic. Placebo é, num rasgo silencioso de regresso ao passado, mas com a filosofia do presente, special needs. É passive agressive, e ask or answers, e acima de tudo, é Every you, Every Me. É música da boa, mas é mais que isso. Não é genial, não é menos, nem mais, é algo sentido. É a negação dos insultos proferidos ao dizerem que é uma banda sem profundidade, por alguns. Placebo é a voz do Brian, e são viagens. E têm músicas para tudo, todos os momentos da vida – mais perfeitamente, ou menos. Mas eles estão lá todos.
Deus, é black eyed.
Placebo é essencialmente o segundo álbum. Ponto final. Tendo, e querendo, hierarquizar os álbuns, without you I’m nothing é o rei absoluto, nunca destronado. É o álbum preferido de todos os verdadeiros fãs, é a obra – prima. Depois, para mim, vem o primeiro, homónimo, Placebo. Se é o mais cru não deixa de ser belo, se ainda é rudimentar não deixa de ser placebo. E há, aí sim, o glam no seu expoente máximo, tanto nas letras, quanto nos riffs, quase até na própria estrutura imperfeita das canções. E as pérolas são muitas.
Óbvio, depois vem o black market music. É talvez o mais desconexo… para mim é-me muito difícil ver, perceber isso, porque foi o primeiro álbum deles que comprei. Mas é. Não é um passo em frente, nem um passo atrás, foi um passo ao lado. Foi o tentar repetir de uma fórmula que só deu resultado em parte, e é um disco que tenta ser o segundo, mas a banda cresceu, a banda quis mais, mas penso que também quis ser placebo. O que está aqui, então, no black market music são ainda das melhores músicas da banda, parte dos clássicos, mas a coesão perdeu-se. É um disco de canções coladas, nada mais.
E o que eu menos gosto, sleeping with ghosts. Surpreendidos? Eu não, é claro. Eu nunca gostei do sleeping. Lembro-me de ter pensado mal o comprei, dois dias depois de ter saído, “vai ser fácil gostar deste disco”. E, se o que eu disse era verdade, foi também em parte uma pequena maldição. Sleeping é bom, não digo o contrário. Mas é completamente vazio. A electrónica, ainda que pouca, estraga as canções a esgalhar e tira a beleza inerente às baladas, às músicas calmas, às músicas lindas e belas que eles faziam. A voz do brian também está mais grave. Mas talvez seja verdadeiramente o piano, tão forte no álbum, com um som tão demarcado, que estraga quase tudo. Adoro o piano na maior parte das bandas, e não costumo ser crítico numa banda ao ponto de criticar os instrumentos que eles usam, do género, há aqui devia ser mais trompete que saxofone, ou, Um xilofone aqui ficava mesmo catita, hã? Nada dessas merdas, mas no caso dos placebo é diferente, e ao ouvir a slave to the wage, é notório, mas de caras, que placebo nunca precisou de um piano demarcado – o seu som devia estar menos sublimado, pois placebo sempre foram uma banda de guitarras, quer queiramos quer não o Steve Hewitt não é um baterista genial. Cumpre, mais nada. Placebo é guitarras assim como para mim radiohead é muito bateria – não é só bateria, nem é o instrumento principal, mas ninguém quase repara nela e devia, pois a música de radiohead é um todo (ando a falar sempre das mesmas bandas, até parece que não ouço mais nada…), é um portento; mas o baterista é genial – e quase ninguém se apercebe disso.
O piano em sleeping estraga tudo bem como a voz mais arrapazada do molko. Se ele antes mandava aqueles agudos atrofiados que eu gostava tanto, agora está com uma voz muito mais masculina – no primeiro álbum era totalmente andrógina, ponto. A voz dele vai ficando, não mais grave, mas mais grossa, de álbum para álbum. Tem umas músicas boas, como a bulletproof cupid, a this Picture, plasticine e special need, bem como a second sight, mas é só. O resto do álbum sabe a muito pouco (até estas sabem a muito pouco), as músicas são mais curtas, e está ali um bichinho que mói mas ninguém sabe de onde ele vem – fizeram um bom álbum ,mas está tudo errado, parece que foi uma sorte o álbum não ter sido um fracasso total. O leigo gostou, o fã não. Porque o fã percebeu que aquilo não era placebo. Era placebo degenerado, com eletrónica lá no meio. E assim, o primeiro concerto que fui a eles, soube a pouco, apesar de bom, e sempre me arrependerei de nunca ter ido a um concerto deles antes, antes do sleeping, em que cantavam mais músicas de todos os álbuns, e talvez só o dvd que tenho deles, ao vivo, safe alguma coisa. Mas este álbum perdeu-se muito, na comundade. Não se nota brilhantismo. Nota-se trabalho, nota-se tentiva de fazer algo diferente, e por isso melhor.
Mas falharam.
Mas eu continuarei a amá-los.







J.




P.S. recebi há coisa de uma semana um mail do site placebo world. Os placebo entraram agora em estúdio para fazerem o novo álbum, que deve sair lá para Março do próximo ano. Esperemos que seja um regresso às origens, mas não me parece. Das duas uma, ou temos uma continuidade da eletrónica, ou passaremos para a disco, como o disco bónus de remisturas apresenta, no seu best of. Mas eles não descansarão em paz, pois para mim, placebo estarão sempre vivos. Sem eles, não somos nada. E sem esse álbum, eles também pouco ou nada são.

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sábado, junho 11, 2005

dois papagaios quase humanos.

Ela: - Deixa-me ser
Invocarei o passado por cada corte
laminado.



















Ele: - Tudo bem
Por altura do Verão grita
o meu nome
: marginal.

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quinta-feira, junho 09, 2005

olá

Sentindo-me um deus abandono por momentos usando sempre minúsculas
Ou não
Um assomo criativo só por falta de competente incompetência. Se eu quisesse ser algo no mundo inteiro, seria um homem que tivesse todas as doenças do mundo que pudessem de qualquer modo irremediavelmente existir. Sentir a dor por todos os poros do corpo e não sobreviver no estado já terminal em que a morfina que tomasse estivesse embebida na própria saliva cheia de vírus que criava só poderia ser uma incrível benesse – o quadro, cru, na mesma dança já cansativa que é rebolar e cair da cama, deixar pender em gotas o lençol neste calor de verão num eremitismo de boxers do tweety há duas semanas no meu corpo só para dizer que não andava nú. Tive uma ideia brilhante, contemplava o tecto da minha sala e perguntava-me porque é que, não, risco isto, questionava-me porque é que o calor entorpecia as mentes, delirava as velhas e deixava-me perto do iluminismo pessoal. Se tivesse uma faca à mão teria marcado a palma esquerda para não mais me esquecer desse dia mas não era necessário, como toda a gente sabe, eu só me esqueço de nomes, e ainda pior, confundo-os; ou seja, estou-me a cagar para as pessoas e as suas histórias de como quase comiam aquela gaja ou como foi a primeira vez que fizeram sexo foram gamados ou descrevendo todos os melhores locais para se fumar erva, comparando-os melhor ao sítio na rua, instituição superior secular onde quer que me encontrasse com um desconhecido sorridente que já me trate por tu. E a ideia foi apagar o computador que estava em stand by no escritório, não lhe mexia desde o almoço que consistiu num prato misturado de salmão fumado macarrão cozido embrulhado em queijo derretido alho e maionese idas ao forno cinco minutos ao microondas, torra-se um pouco e o que sobrou volta para um dos nossos três estômagos sedentos de nada mais logo à noite cá em casa, nunca mais o ligar, pelo menos por umas semanas, a ideia era tentadora e perguntava-me, o que posso fazer eu, sem irmãos ou pessoas decentes que conheça nestas áreas, fazer numa desertude de casa estes dias enquanto mastigo ordenações visigóticas, polémicas do primeiro código civil de Seabra, predominância nos tribunais eclesiásticos do direito canónico à opinião de Bártolo, predominante figura da escoa dos comentadores e o maior jurista de sempre, caricaturado no traço futurista e irreverente de Almada negreiros à porta da minha faculdade pela qual eu nunca passo. Ver o sol lá fora e pensar nos dias de praia que terei quando acabar os exames, noites sem dormir porque a noite, pode ser tão bem fornicada e poemas e pensamentos e músicas aproveitadas de maneiras diferentes sejam o resultado de sexo com a noite sem pudor, filhos do esperma cultural, escrever um livro nas horas mortas que fale de uma miúda trissémica, só, nada mais, o seu dia a dia, trissémica, fio de baba a ameaçar sair a todo o momento, seria o seu melhor amigo e teria honras de personagem secundária, Matias,
Olá. Eu sou o Matias e sou o fio de baba pendente da boca da minha melhor amiga mongolóide. Ser tão bem escrito que seja um best seller que provoque nojo e admiração, fale do infalável e voilá, temos um génio só porque teve tomates de fazer algo estúpido através da já referida arte, prometo que neste post não a referirei mais.
Praia. À tarde.
Mas não tenho saudades desses tempos que vêm daqui a umas semanas nem anseio pelos tempos que já foram em que os objectivos de vida de um mais eu virgem prendiam-se com o dinheiro ou com uma boca feminina e uma vagina nesse mesmo corpo da boca que me fizesse sentir amado. O meu computador vai ser encerrado pelas semanas em que eu jurarei, sim, que não enlouquecerei, não pretendo fazer nenhuma viagem nem quero pontos finais excessivos. E todos os dias a mesma paisagem pelas janelas dos dois quartos, cozinha, duas salas e escritório, que eu observarei porque neste fim de semana prolongado sairei pontualmente em coisas já combinadas, deveres formais profissionais e sociais, parecer-me-à diferente porque é preciso imaginar outra realidade para mim. Nas noites em que a televisão esteja presa na telenovela o meu escape seria aqui, depois de algum tempo no quarto, não é triste haver rotina nas nossas próprias horas de liberdade, é apenas uma revolta visceral contra o nosso próprio corpo. Algum sofrimento. Quero sofrimento. Quero uma luta física, e perder. Se pensei que esta era uma epifania que começava justamente por desligar o meu computador



Nas noites de verão o crepúsculo pode ser do tamanho da nossa fantasia. Mas eu vou desligar o meu computador por umas semanas, e era só isto que poderia fazer, cumprir a promessa ao P. de mais um post hoje.

A auto-biografia é uma mentira completa, e quem acredita nela então vive a mentira em si mesmo/a



J.

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terça-feira, junho 07, 2005

passando a batuta.

o Marcus me passou a batuta (vejam o seu blog, a grande abóbora, nos links, ainda não sei fazer hiperligações). eu farei o mesmo.


Quantos gigabytes usados com música: uns sete gigas e meio. Antes tinha bem mais.



Último CD que comprei: rocky marsiano: the pyramid sessions. Amanhã vou comprar o demon days dos gorillaz.



Música tocando no momento: não é bem uma música só; estou a ouvir um concerto de jeff buckley que saquei, em chicago, de certa de hora e meia. neste momento, instrumentalmente, toca a vancouver.


Cinco músicas que tenho escutado bastante:

terceira música do álbum dos N*E*R*D, Fly or Die,

Light My Fire, long version, The Doors,

Cassandra Gemini, The Mars Volta,

Águas de Março (Joga Bossa), Smoke city

Foo Fighters, Best of you.



Cinco pessoas para quem estou passando a batuta:

não sei se encontro pessoas que tenham blogs.

P. (aqui, n'A Navalha)

Ricardo (Equimose, nos links)

Ynês (fashion shits, fashion styles, nos links)

Lucy (Sanctuary, nos links)

Não encontro mais ninguém que tenha blogs e que curta de música. Encontro um de cada, os dois, não.

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sexta-feira, junho 03, 2005

My girl

Nunca fui muito dado a grandes sonhos – fazer deles um objectivo crónico que me orienta e, assim, me leva a percorrer os dias a tentar alcançá-los. Isso faz de mim um ser acéfalo, poderão pensar. Mas não. Pelo menos não tanto. Nem sequer me vou dar ao trabalho de reflectir muito sobre isso pois não é disso que venho aqui falar. Confesso -

Tenho um pequeno sonho.

Não sei porquê mas já há algum tempo me ocorreu mas disse-o a poucas pessoas. Não por receio do embaraço, entenda-se. Nada disse. Apenas também nunca fui muito dado a dizer o que penso. Nessas alturas, geralmente escrevo.
A verdade é que imagino a cena como que tirada de um filme que ainda não existe, mas que acredito que terei oportunidade de ver. Nunca fui a Nova Iorque, mas não, também não é desse sonho em particular que falo. Na verdade gostaria de a visitar, como se de uma amiga (essa cidade) se tratasse. É lá que imagino tudo a acontecer, tal qual como imaginei da primeira vez. Passo a explicar: Um dia, numa qualquer noite de verão bem quente, gostaria de me encontrar na companhia de alguém que me desperte o espírito, no topo de um qualquer daqueles arranha-céus que só conheço por imagens. Faria amor ao som de Otis Redding; dançaria noite adentro despreocupado, na certeza de que acabaria com um sorriso nos lábios, abraçado a quem me toca; a música a soar bem alto como se no meio de tantos milhões de pessoas houvesse um pequeno lugar, só nosso, onde nos pudéssemos partilhar em sintonia.



Nunca imaginei como seria a manhã seguinte.

Mas acho que ainda a vou descobrir.







[Pequena nota pessoal: Vim há poucas horas do aeroporto. Fui despedir-me da minha irmã. Ela vai para Moçambique, por cerca de dois meses, para trabalhar numa organização não-governamental italiana que, se tudo correr bem, se está a implementar em Portugal e da qual talvez venham a ouvir falar daqui a uns tempos. O mote é simples: por cerca de 20€ mensais poderão apadrinhar uma criança e, assim, financiar a sua educação. Esse dinheiro servirá para pagar livros, material escolar, aquelas pequenas enormes coisas que permitem a criação de um pouco mais de possibilidades para quem não as tem. Enquanto a criança estudar receberá dinheiro. E ela foi; com a ajuda de outras pessoas percorrerão orfanatos e aldeias um pouco mais longínquas, para encontrar miúdos que possam vir a usufruir do programa. Quem sabe, talvez a minha irmã esteja a dar o seu pequeno contributo, para um futuro Mia Couto. São estas pequenas coisas que me lembram, honestamente, que certos gestos valem mais do que palavras. Obrigado por isso, maninha. Boa sorte.]




P.

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quinta-feira, junho 02, 2005

Nuances demoníacas.

(evidências).
São quatro da manhã. O reflexo do meu quarto teima em dizer que se desprende de mim. Um demónio, ele diria; se eu não…
Me encontrasse nele em seu reflexo.
Em seu reflexo demoníaco.
A roupa está espalhada pelo quarto. A cama é um gume de línguas. Abre a persiana, não te esqueças de te observares hedonisticamente pelo vidro da janela - em ti a noite não pode ter eternidade. Não há cigarros, mas há um sorriso preocupante; incrível. Desobliqua-se como se só ele soubesse qualquer segredo que tornasse toda a sua experiência de acordar, menos terrível. Decerto se está a lembrar do que sonhou.
Pede-me para ter calma.
Sonho com ele todas as noites. Eu acredito que
(eu acredito)
algo o diverte com a força das montanhas que criava há minutos para partilhar com outras criaturas também imaginadas. Algo o não faz rir porque ele é Ele, e eu compreendo-o - é isso que me assusta. Ele é a outra metade do gume, o seu corpo
quase nú desliza
pelos lençóis peganhentos de uma noite, que depositou uma bênção de pó e gordura em simbiose perfeita. O calor une-os, Ele sabe-o. Ele
Diz adeus. Eu sei, que ele se sente omnipotente. Não há maneira fácil, de explicar a minha relação, com a minha contraparte demoníaca. Ele consegue tornar todo o meu embaraço em desejo. Ele queria
Eu sei
Devorar-se se pudesse. No espelho. Ele sabe-se perfeito.
Contemos uma história, eu e ele. Quando sempre teve em mim, existia no acordar ainda em noite um travo de sagrado e secreto no ritual silencioso que era, acordar. Mas eu acordava de facto.
Ele ficava a mirar-me, ainda me vendo reflectido no vidro da janela, olhando para a cidade que odeio.
Amando-a perdidamente. Brincava com a minha navalha e pousava-a no mesmo sítio onde a deixara eu, na noite anterior, num irritante e assustador momento antes de pegar nela. Agora estava virado para mim, pulsos cortados mas também uma cicatriz do nariz, passando por um olho - os sonhos, são uma guerra. Dizia-me ele. E eu levantava-me ainda, ao vestir-me - ele ainda me observava de tronco nú, e eu falava por ele para não ouvir o que me tinha para dizer, seduzir-me. Sorrindo apenas.
(evidências, dizia-me ele)
- João, qual é a velocidade a que tens medo.
É uma meia hora intransmissível, a parte que eu mato todos os dias, silenciosa, calmamente psicopata, que sorri sempre, mas apenas para mim, num sorriso oblíquo, antes de me tornar no João. Ele fica para trás, ressuscito-o quando pressinto que tudo dorme, mesmo sabendo que uma cidade nunca dorme; apenas se intervala. Mas o silêncio trá-lo de volta. A ausência de luz.
Os sonhos faziam-no acordar primeiro que eu, escapava ensanguentado pelos pesadelos, e adormecia exausto no meio da cama, por cima de mim. A resfolegar mas contente por ter sobrevivido. Para o meu demónio a fúria despreza-se, o que resta é a paixão. Há algo no seu sorriso. A forma como os seus olhos brilham
- Boa Noite. Diz
Adeus
. não. Não pode ser. Ele tem sempre aquele ar, ele tem sempre aquele ar que não desarma; que diz que vê segredos em tudo desde o início do homem, aquele olhar que vê tudo por um prisma de sensualidade, e ama cada curva corporal sua; e cada farrapo de calor que lhe bate no corpo semi despido, quando vê o mundo
pela janela aberta. Pela persiana que abre numa languidez, de sagacidade imperdoável para alguém como - ele.
Não fuma. Faz rodar a navalha escondida no cabo, pela palma da mão; pensa em todas as mulheres com que eu sonhei nessa noite, e vê-las, reflectidas num gume ainda por sacar. Eu sei tudo isso, enquanto me visto; eu sonho com mulheres tiradas de uma discoteca mista de punk e psicadelismo. As mulheres são guerreiras, os seus cabelos têm cores invulgares e muitas vezes espetados para cima. Empunham chicotes, ele passa a mão pelas costas magoadas como se tivesse participado a noite toda numa caçada - era eu a presa. E sorri baixando a cabeça. Fechando os olhos. As dores fazem tudo sentir mais real para a minha contraparte demoníaca.
Não quero sequer que se me pergunte; porque é que o mato se. O amo. Se ele, é tudo aquilo que eu desejo. É. A projecção perfeita de uma sensualidade irresistível. O meu.
Lado pagão.
Ele ressuscita sempre em mim. Não o detenho. Ele não é meu. É somente eu.
Todas as noites me devora na imensidão do seu próprio segredo
Demoníaco.





Dedicado a mim;
e.
A todos os nuances que vos seguem quando sozinhos
Têm medo de vocês mesmos.






J.


(demon john).

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