É um autêntico orgasmo de açúcar
Isto foi o que eu disse acerca da nova música do Pharrel Williams, Angel.
Estou oficialmente a precisar de terapia.
J.
Isto foi o que eu disse acerca da nova música do Pharrel Williams, Angel.
Estou oficialmente a precisar de terapia.
J.
...a minha irmã trabalha no escritório de uma associação (CCS) que lida com crianças desfavorecidas, em países de terceiro mundo. crianças sem acesso a água potável, a escolas, a comida, pelo menos decentemente, essas coisas, vocês entendem a coisa.
O advogado que trabalha com associação, muito sério, mostrou o seu apoio, porque, como ele explicou:
"é que eu também sei o que é viver com dificuldades...houve até um período da minha vida em que tive de viver num T 1."
P.
(as coisas que me ensinas, mana...)
Hoje roubaram-me o carro. A merda do carro, roubado. Foi mesmo hoje, de certeza, porque ele tem estado no mesmo sítio, em frente à minha casa, desde terça (com grande pena minha - conduzo á pouco tempo, e adoro fazê-lo). Numa rua com dezenas de carros! e roubaram-me o meu. Deviam ser por volta das dez da manhã, tocam-me à porta ainda estou eu a comer a minha taça de cereais com dois ioggys plus metidos lá pró meio. Boa, deve ser outra vez publicidade. Quem é...? E a voz do outro lado, É a polícia, é o senhor o dono do peugot 206 que está lá fora? e eu quase que fiquei feliz, eheh, pensei, querem-me outra vez chatear por ter estacionado no lugar dos deficientes (só uma vez, juro), mas desta vez não me apanham, porque não há nada que eu tenha feito de mal. E digo eu com a moral em cima, prestes a resolver tudo já ali de uma vez por todas, só de boxers e t-shirt falando com a mulher-polícia (obviamente, ela não me via, estava lá em baixo), Sou sim, há algum problema? Sim sim, importa-se de vir cá abaixo? Sem problemas, pensei eu. E a esta altura, imbecil que sou, ainda não estava, sequer, preocupado. Tudo o me pudessem atirar à cara não surtiria efeito nenhum, eu estava inocente sodona polícia gira, o carro está bem estacionado e as rodas direitinhas como o perfeccionista do meu pai me exige. Mas, às dez da manhã ainda devia ter algum discernimento da noite anterior, e então ainda pego no bocal mais uma vez, só para perguntar, na desportiva, se é alguma coisa grave? É grave sim, o seu carro foi vandalizado.
HÃ? mas qual, o meu? O seu carro é o que tem a matrícula 80-07-px? e eu percebi oito mil e sete pixas? E ainda disse atabalhoadamente que sim.
Corri de um lado para o outro como o P. quando parte uma unha a jogar basket, completamente aparvalhado. Calças, pensei eu, preciso de umas calças!
Por cima das boxers que me serviram de pijama na noite anterior enfiei as calças do dia anterior, peguei nas chaves, e saí para o meio da rua, de chinelos de dedo, cabelho em pé, e t-shirt laranja do homem-aranha. Junto ao carro patrulha estava o meu, estacionado no mesmo sítio, visto de perto aparentemente normal. Quando espreitei lá para dentro, é que percebi o tamanho da devastação que tinham feito ao meu Trotsky: o vidro da direita partido em mil estilhaços, o rádio arrancado, o porta luvas aberto, vazio, só com um bilhete de parque da Emel. no banco da frente tinham deixado em cima dele o livro de instruções de uso do carro, e no porta bagagens, a que tinham acedido abrindo os bancos de trás, estavam os coletes e uma garrafa de água que eu nunca soube como foi lá parar. Mentalmente tentei-me lembrar, em pânico, que cds teria deixado no porta luvas. Dead Combo está lá em cima, Josh Rouse está lá em cima... oh meu deus, roubaram os meus cds de Ryan Adams e de Arcade Fire! que bárbaros ladrões serão esses que precisrão de roubar Ryan Adams e Arcade Fire, pensei? Ainda se fossem de Kizomba! Tem seguro? E eu, haaaaam, contra terceiros? Haaaa então isso não dá, diz-me logo o outro polícia, Isso não cobre os roubos. Atabalhoado, encostei-me à árvore. Ok, eu já estava farto dO Ryan Adams, e nunca gostei muito de Arcade Fire... mas, e o Paris, Texas? estará lá em cima? fiquei frio de repente, mas estava a suar por todos os lados. Lembro-me de me ouvir balbuciar algo como não, acho que também cobre roubos e tal... Bem, o que você tem agora de fazer é participar o mais rapidamente possível na esquadra blah blah blah, eu já nem pensava em nada. O meu carro, o MEU carro, O Trotsky, ROUBADO. O vidro partido, o rádio arrancado. Isto foi feito por profissionais, está a ver ali os fios? estão todos inteiros, não arrancaram nem um, você nisso teve sorte, isto era malta que sabe do que faz.
O resto, foi o procedimento habitual. Liguei à mãe que estava a preparar as aulas, num café lá perto, parame vir ajudar, ao meu pai, que disse logo, A culpa não terá sido tua?, e voltei para casa desanimado, pensando, ironicamente, que a antena, que era nova, tinha sido poupada. Entretanto, o meu pai já arranjou um vidro de graça, e se tudo correr bem, tenho um auto-rádio novo para a semana.
Mas mesmo assim porra, Roubaram-me o carro.
A única coisa boa que tiro daqui é que acho que aprendi a gostar dele ainda mais.
J.
Foi sob a forma de um diálogo que te apresentaste como nova, assim,
- Para ti
Como se eu fosse uma parte diferente de ti – sorrindo por dentro, imaginando algumas letras, esparsas, não poderás, pergunto-te agora que com o sangue invocaste outro nome por entre o sangue que de algumas formas correu, responder-me de outra maneira, falar-me descendo pelas ruas da memória; eu pensei, Não tu disseste Não,
- Não, porque se agora sou uma pessoa nova preciso de conhecer-te de novo, esquecer-me
Esqueceres-te de tudo? Eu queria este ponto de interrogação, interroguei-me eu, enquanto ainda chovia, como se o cenário tivesse ficado, fora do quarto, suspenso durante meses; - no chão, apenas uns lençóis malhados de sangue, uma Navalha perdida quase entre uma cama que sempre fora para nós, na verdade, mais um campo de batalha, e o teu corpo, recto contra a horizontalidade da janela, vertical.
- De novo.
- Se, talvez, fosse possível: o tempo,
- Eu sei. Mas somos tão novos…
Ou: assim o julgamos, pensei eu, disseste tu; tens razão. Ou assim o julgamos. E porque não, perguntei-me, inspirando o salgado do quarto, vendo os reflexos da chuva nas cortinas transparentes; Não sei, antes de poder descobrir quem tu és, tenho de descobrir quem eu sou tenho de te chamar pelo
- Nome; qual é o teu
A tua saia, azul escura de tão imaculada. A tua blusa branca, por trás da tua face entre a curva de uma madeixa que caía ainda, eu perguntei-te com as minhas mãos e os meus olhos se ainda existiria alguma forma simbólica de voltar atrás; mas tu não viste, e obviamente que eu sabia, que não se poderia voltar atrás depois do que tínhamos feito.
Ou; das loucuras
- Que cometemos nós sem perguntar nada a ninguém, nem sequer a nós
Sim; também isso. Era estranho, mas ao mesmo tempo previsível, o teu silêncio. Que caía como a chuva lá fora. Deixava-me frio. E se suspirei mais alto foi porque me encostei à outra janela, esperando que a nova Tu se virasse para mim, e ainda assim, depois de tudo, ainda se relembrasse, pelo menos, de todas as coisas boas que tinham existido nela, e entre ela e eu
- Estou aqui
Disse a tua voz imprecisa e o meu cigarro ao canto da boca ainda por acender dizia-me, foi também para ela que se ouviu, não houve nenhum estremecimento com o roçar da pedra e a faísca que se desprendeu dos seus cabelos com o fumo de todo aquele mistério que tínhamos, primeiro criado, depois presenciado, e que depois nenhum de nós conseguia compreender
- O que é que te levou a isto, diz-me, o que é que
- Não foi medo; não foi o estremecer do coração depois de algo verdadeiramente belo, foi
Não respondas mais,
- Não Res
- Um medo terrível de ficar lúcida para sempre, retendo para sempre as memórias de tudo o que senti e vivi, como se, como se
A vida corresse para trás, não é…? Como se a vida corresse para trás e todas as caras que viste não te tenham conseguido definir sequer os olhos, e precisasses de criar alguém a quem pudesses chamar algo, já que não conseguias sequer definir, ou existir assim,
- como se a vida estivesse ao contrário…
; porque: eu sempre suspeitei. Nada eu nem as minhas estranhas forma de amor conseguiam dizer o teu nome num abraço, num orgasmo definitivo, num silêncio entre dois beijos. E tu sempre o soubeste, que entre a nossa fronteira estava apenas a uma rua, cheia de pessoas, e carros e lojas de dilemas existenciais e questões salpicadas de cores quando deviam estar palavras, de distância.
- Diz-me o teu nome agora
E eu, com os meus passos caminhando para ti, com os meus olhos que olharam para a tua nova face e que não te reconheceram mais, nunca mais, com o meu braço que te rodeou a cintura, devagar, que não te reconheceu mais, e com os meus lábios que disseram uma palavra inventada no momento, mas era a palavra que todos me chamavam desde que eu existia
Disse-to.
(segunda parte do Texto postado n’A Navalha, a 09 de Abril de 2005)
J.
Estava sentado num café quando um tipo moreno, sujo, de barba por fazer, entra a chorar pedindo ajuda para ir à farmácia comprar os medicamentos para a esquizofrenia…
Para a esquizofrenia…e a chorar…
Recebendo como resposta um não, ou apenas indiferença, não resiste a declarar, alto e bom som
Filhos da puta! – saindo de seguida do café.
Umas duas horas mais tarde, já no comboio, sento-me a um metro de distância de um conhecido meu e do J. Uma vez, no Verão passado, se não estou em erro, tomávamos café na esplanada do Martinho da Arcada (sitio onde Fernando Pessoa terá dado vida a alguns poemas) e estava lá um velho, bêbedo, que passou a hora de almoço toda a insultar os empregados, porque o bitoque não estava bom, porque a sobremesa demorou demasiado tempo, tudo isso. Inevitavelmente sabíamos ao que aquilo levava…
Tentou teatralizar a sua saída, sem pagar, sob o pretexto de ter sido mal atendido. Acabou corrido, literalmente, a pontapé por um dos empregados. Eu e o J. ainda o vimos pelo menos uma outra vez, na Baixa, junto a uma feira do livro que ali decorria, gritando nas ruas algo estapafúrdio.
Mas desta vez, naquele comboio, tinha na mão dois livros, que, pela cor do papel se percebia que eram bem antigos (gosto bastante do cheiro dos livros já de uma certa idade). Um dos livros, segundo consta, era de poemas do António Aleixo. E, engolindo algumas palavras pelo meio, lá os lia, declamando para as pessoas que se entreolhavam de forma cúmplice. Pouco depois deu inicio à sua sátira social, criticando as pessoas que falam bem do tempo do Salazar, esquecendo-se de que nessa altura tinham de andar descalços e tudo o mais. A sua forma atabalhoada de falar, não dava para perceber tudo o que dizia. Ainda assim, uma senhora a meu lado a dado altura concordou, Lá isso é verdade, disse ela…
Lá isso é verdade.
Por mim, tive pena de ter de sair na estação a seguir.
...
Ainda não foi desta que percebi até onde vai uma pessoa, (e recupero uma expressão já com alguma história) quando sofre uma overdose de realidade.
P.
Primeiro foi a sua presença à nossa frente, de costas, a relembrar um gozo especial pela pessoa. Olha, disse-me o ponto negro à minha direita, É ele, vai ali. O dia ainda estava no início, e toda a gente sabe como eu, ainda por cima com uma pequena ressaca em cima, desconfio das quartas feiras. Mas a hora passou, com uma enxurrada de evidentementes que, agora - desconfio, já me fazem sentir confortável.
E, na viagem improvável que não era suposto acontecer entre uma sala e outra, Ele de novo, sorriso algo tímido e muito (suspeito que, por vezes, mesmo muito) impreciso, a ver-nos, eu e meus colegas partilhando em segredo a estima por um grupo que, em sua hmenagem, chamámos de A.N.A.L. - saberia ele isso tudo, sentiria ele isso tudo? e eu pensei, vai apenas passar por nós e murmurar um geral Olá então está tudo a correr bem? e seguiria o seu caminho.
Mas algo deve ter acontecido, ou talvez não tenha sido, de facto, nadade especial. o que acotneceu foi algo de efusivo e espontâneo, e por isso mesmo, arrisco-me a dizer, bonito. E quando ele se vira e diz, em tom de desabafo feliz e compartilhante, É pá, não vos vejos há imenso tempo, as coisas andam-vos a correr bem? e nós, patetas, a murmurar uns sins, edificando logo ali paredes grossas de bloqueadores de conversa que não queríamos, de todo, criar. Mas ele não desistia, Vocês foram meus alunos do quê, do ano passado não foi? - Olá, David - , pois, tinha essa ideia, tinha essa ideia... Bem, então, boa sorte para os exames.
E é nessa altura que me passam as coisas mais improváveis e ridículas pela cabeça: apeteceu-me dizer-lhe que ele era o meu professor preferido daquela faculdade inteira, que o acho com um sentido de humor incrível, que adoro o blog dele, adoro o seu blog, e o cd de Richard Hawley que arranjou tem razão, é muita bom, e, e professor nós temos todos de nos juntar um dia para irmos beber um copo!
Os meus olhos começaram a picar. Olhei para o relógio, ainda eram as duas da tarde. Reprimi um bocejo. João João, pensei, hoje vai ser uma tarde muito longa...
Uma vida simples seria o desejável, se gostasse de um ambiente bucólico à minha volta: tenho uma casa na aldeia, iria para lá grande parte do tempo (para fugir à "metrópole"...), precisava de um gato, do meu gato, que o iria buscar aos meus avós. Entre os cheiros do campo, o frio do Inverno, e os foguetes das festas no Verão, escreveria livros atrás de livros, com alguma ou pouca música, só eu e o meu trabalho. Mas eu não sou assim, pouca gente é assim; é por gostarmos da dificuldade e do risco, que persistimos: os ganhos serão maiores sempre, à sua maneira, conseguindo persistir, e triunfar, face a uma vida que, à boa maneira humana, conspira, inevitavelmente, contra nós.
J.
Ontem fui ter com os teus irmãos
e fui-lhes pedir o teu pijama
Não sei o que se passou
Mas ficaram enormemente enfurecidos
E lançaram o seu apocalypse gay contra mim
J.
- Eu conhecia essas pessoas, essas duas pessoas. Lembrava-me de as encontrar, agarradas ou a discutir, por entre o entulho da lixeira à saída de Lisboa.
- Há quanto tempo
- Dois, três anos. Ele era fotógrafo, e ela doente.
- Doente?
- Presa ao sonho.
- Esquizofrénica
- Sim. Perguntava sempre ao namorado: como se cantasse
- Cantava o quê?
- Pela lixeira, gritava o que é o perdão/é apenas um sonho/o que é o perdão/é tudo.
- Não me é familiar…
- Ele não ia à lixeira de propósito, nem lhe tirava fotografias de propósito. Ele ia atrás dela, dia
- Após dia…?
- Estou cansado. O que lhe dizia, não sei. Mas era uma visão diferente de tudo, enquanto os via do café, com as janelas abertas
- Vias a lixeira
- Ninguém vai a esse café. E comecei a pensar, ele ia atrás dela, sim, para ir atrás da mulher de quem gostava porque ela era louca, e ainda se matava, mas a razão porque lhe tirava as fotografias
- Fotografias
- Era sempre pós-catarse, o acto. Deixa-me dizer-te, só quando parava de chorar, ou finalmente se deitava, derrotado, no tapete de lixo, que as tirava. Claro que vi algumas, mas penso que
- Por causa dela, da alma dela
- Nada tão romântico – ou, talvez ainda mais. Penso que lhe tirava fotografias para preservar a face dela, em situações normais.
- Ela
- Era uma foto, percebes, uma foto. Preto e branco, por vezes a cores, nunca a sépia. Espantosamente, nas fotos, a face dela aparecia sempre normal, como se de uma pessoa lúcida se tratasse. Com o lixo por trás, mas ainda assim
- Nada onírico
- Certo. Tão perto quanto possível, tão longe quanto possível. Ela gritava, berrava, e esperneava, e gritava, E Depois do Riso, o que há, E Depois do Riso, o que há, e ele ou a agarrava para não a deixar cair, ou tentava beijá-la, e ela, de vestido azul, ou branco, sempre imundos pelo fim do dia, arranhava-o e atirava-o para o chão
-
- … Era assim, enquanto o rádio no café, atrás de mim, dizia verdades, roufenhas, que eu não ouvia nunca. O meu hábito foi o hábito deles.
- Perderam-se
- Depois da exposição que ele fez. O dono do café disse-me que ele tinha uma nova exposição. Também me quis dizer o nome dele, mas eu não quis.
- O nome
- A exposição., Chamava-se O Amor. Não achas que podia ser de outra maneira?
- Só ela
- Na lixeira, no meio do lixo. Fotos lindíssimas, muitas sorridentes. Os cabelos dela por vezes a esconderem-lhe a cara, outras agachada, olhando para a objectiva com ar de súplica. Mas todas, todas lúcidas.
- Conhecias essas pessoas, essas duas pessoas
- Conhecia, sei que as conhecia. No fim da exposição, saí, para a caverna de vidro da noite, lá fora, à espera de outras invocações.
- E eles
- No dia seguinte, a casa onde estava a exposição ardeu. Veio nas notícias. O que eu acho
- Quem ardeu quem
- Não importa. O que importa é que eu sei que um deles foi, pelo fogo, ter com eles. Até nunca mais serem vistos por olhos humanos… e desaparecerem.
J.
Se o conhecessem de algum sonho diriam que não passa de um eremita. Alguém que se cansou. Das pessoas e das suas rotinas. Das conversas indiferentes. Dos jornais que se repetem. Das viagens de regresso a casa, após mais um dia de trabalho. Enfim, da tirania dos relógios sobre o tempo.
Mas sente apenas pertencer a um mundo que não fala a mesma língua.
Poder-se-ia dizer que se trata de uma escolha – mas quem aprende a amar a solidão, cedo ou tarde percebe que tomou apenas um rumo.
E assim se definiu. Os seus cabelos longos, grisalhos, contrastam com o seu aspecto formal. Exibe-se de fato e gravata, de barba escanhoada, e sempre com um livro debaixo do braço. A pose séria, de alguém que se preocupa com o seu aspecto, é sempre acompanhada por um sorriso sereno. Sabe que é um conceito ambulante, um quase provocatório cliché. Mas por muito que queira, velhos hábitos são sempre difíceis de perder. Dos seus anos de professor recorda apenas uma certa mágoa. Toda uma fúria de sensibilidade de alguém que queria ensinar, mas que confessa que houve anos em que sentia não ter alunos. Eles lá estavam, é certo, corpos presentes a gesticular discretamente. Preocupados com tudo e com nada. Olhando pela janela, suspirando, esgotados de tanto descanso. Assim, as paredes brancas sempre lhe pareceram os alunos ideais. Ouviam-no. E para elas falava, numa cumplicidade tão tipicamente atípica.
Ajeita a sua gravata cinzenta – a mesma de sempre –, e sai da caverna a que decidiu chamar casa. Lá fora o sol tomou conta do céu. Sente uma leve comichão no joelho e a sua experiência diz-lhe claramente que amanhã o dia será bem diferente, e que as nuvens serão da mesma cor da sua gravata. Será, porventura, apenas mais um dos ensinamentos que a vida lhe transmitiu enquanto passava por ele. Mas agora não há tempo a perder. Numa árvore ali perto já dois pardais o esperam, prontos para a lição do dia. Não faz ideia da razão, mas a verdade é que desde que chegou àquele lugar, há poucos meses, que todos os dias lá estão, sempre os mesmos, sempre a esvoaçar à sua volta enquanto lhes fala. Baptizou o maior de Ari, e o mais novo e pequeno de Plat, para melhor os poder chamar à razão quando se distraiam. Caminha, confiante, dissertando sobre o que lhe ocorre no momento. Discursa longamente, ao ritmo das suas passadas. Já não se sente diminuído por ter prazos a cumprir.
Disseram-lhe um dia que devia parar. Que alguém assim tem de ganhar juízo – não pode andar por aí a deambular. Responsabilidades, pois claro. Afinal de contas, professor que é, não pode abandonar o seu reino.
Mas não o fez.
Nunca isso.
Ele pára. Olhando em redor percebe a certeza que o impulsiona. O Tempo é mais frenético quando não lhe dão a atenção devida. Não o voltará a apanhar desprevenido. Recomeça a andar, consciente de que a lição do dia está ainda por ser dada…
Dicionário da Língua portuguesa 2004:
Peripateticamente – adv. 1 à maneira dos peripatéticos; 2 em passeio; passeando (De peripatético + mente)
Peripatético – adj. 1 relativo ou pertencente a Aristóteles ou à sua filosofa; 2 que ensina passeando; 3 [fig.] extravagante; exagerado; adepto ou seguidor do aristotelismo (do grego peripatetikós, «que gosta de passear», que ensina, passeando)
P.
Source Tags & Codes, dos ...And You Will Know Us By The Trail Of Dead. Comprem, ouçam, amem (ou peçam-no a mim). Como disse certo pedaço de crítica,
"Source Tags and Codes will take you in, rip you to shreds, piece you together, lick your wounds clean, and send you back into the world with a concurrent sense of loss and hope. And you will never, ever be the same."
À minha responsabilidade,
J.
Às vezes pessoal mais snob, ou armadões em gurus de arte que quererão extrair d emim, talvez, uma opinião mais exemplificativa de o que é que se deve (ou não) gostar, chegam-se ao pé de mim, depois de uma frutífera (para eles) conversa sobre arte e perguntam-me finalmente, de chofre, a pergunta derradeira, Quem é o teu pintor preferido? e eu digo, huuum, isso é muito difícil de se dizer, mas Dalí e Rudy. Rudy?, perguntam. Quem é o Rudy, qual é o seu estilo artístico, anda à roda do quê? e eu digo, huuum, é difícil dizer, mas passará mais por um dadaísmo revivalista, eu gosto muito. A arte dele tem tudo o que eu gosto - a expressividae esticada até aos limites, a dêmencia nas suas obras mais banais como uma espécie de desconstrutivismo de arte, enfim, sou leigo, falar sobre toda a sua obra é muito difícil - por vezes embarca num abstraccionismo harmónico, mas o seu cunho é muito próprio, nota-se facilmente quando uma obra é um Rudy ou não. Mostra um lado da arte que aprecio muito - o diferente, embutido no normal; talvez seja assim que o consigo explicar.
E dizem eles, Dadaísta, é? e eu, talvez, mas muito mais do que isso. Rudy? Sim, Rudy. há, Rudy. Sim, agora percebo, Ora essa.
e depois ainda dizem, Não me perguntas quais são os meus pintores preferidos? Ao que eu digo não.
J.
- Já sei: vamos rebolar pela estrada abaixo!
Era um dia de Verão, eu ria-me sem parar, e tu, entre a olhares para mim enquanto sorrias abertamente e o Tejo, ias virando a cabeça, com o cabelo a ondular.
- Isso é completamente de doidos. Espera!
Desse dia, lembro-me que me pegaste na mão, e, no meio do miradouro de santa Catarina, rebolámos enquanto lançávamos gargalhadas, e só parámos quando bati num carro estacionado, a minha camisa uma nódoa, levantaste-te, trôpega, como se o riso te fizesse tonta, e deste-me um beijo. Três horas antes estava eu, à entrada da estação de metro, a ver turistas algo idiotas a tirarem fotos com um Fernando Pessoa de Cobre. Esperava-te, ri-me, e tocava, ao longe, um fado. Mas não era em tons de fado o que passámos nesse dia, como se tudo o que passámos fosse Depois do Riso, até nos esquecermos porque é que gostávamos tanto um do outro. Não, julgo que não. Nesse dia, nessa altura, eu ainda era jovem – terrivelmente jovem. E tu sabia-lo. Sabias que eu tinha a eternidade toda para te poder amar, ou perder, e que tinha, como tu, aquela necessidade, quase selvagem, de devorar o Sol, os dias, a juventude que queria ainda ter.
Fomos almoçar entre piadas e histórias, a uma esplanada no jardim. E eu lembro-me de te ter dito
- Não te sentes abençoada?
- Eu?
- Eu sinto-me!
Porque eu sentia-me. Não sei explicar bem o porquê: mas sabia que era por tua causa, contigo, talvez o próprio futuro que desejava.
Por volta das cinco da tarde, cansada de te rires, adormeceste no meu colo. Olhei em volta. Lisboa, claro, estendia-se a toda a volta, indiferente a nós, como um palco para o nosso dia perfeito, impassível, fazendo o que sabia melhor (se bem que, explicá-lo, seja tão quase tão belo como impossível). O nosso pouso foi um banco, de jardim, dos arqueados, quando o Sol já deixava de queimar, de bater com tanta força. Vi o céu em tons de azul e amarelo, e senti na face aquela luz mágica. Depois olhei para tua – e ela também estava cheia dessa mesma luz. Sorrias, de vez em quando bocejavas, e aninhavas-te de novo no meu colo.
O futuro estava for daquele jardim, o passado parecera existir apenas para aquele momento.
Então, fechei os olhos, e adormeci também.
Crowning of a heart
J.