sábado, outubro 29, 2005

Em suspenso.

Parto amanhã. Volto quarta.
Era para ter escrito algo mas não consegui. Agradecemos (bajulamos tanto, meu deus) mais uma vez às pessoas que todos os dias descobrimos que cá vêm, mesmo que não passem de novo.
Quando voltar apresentaremos, o P. e eu, a nossa maior e mais importante criação para A Navalha.









J.

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terça-feira, outubro 25, 2005

E agora uma pequena formalidade...

Poderia ser uma simples dicotomia entre o que se tenta e o que se quer; um quase desejo de atingir o topo. Deslocado. E percebe-se, com o passar do tempo, não mais do que isso, que há toda uma noção de incapacidade subjacente ao triunfo. Ou melhor: um receio de incapacidade e toda uma panóplia de circunstâncias que assassinam os sonhos na sua breve infância. E pergunta-se pelo que efectivamente se sonha. Ora eu ando cansado e inseguro (isto no que se refere à pessoa que sou quando tento criar algo); seria simples falta de apoio ou apenas a percepção de que é difícil. Ponto. No meu caso, gostaria de passar uma vida inteira a fazer amor e a escrever. A escrever por amor e com amor. E este último pode sempre ser um tónico para o primeiro, confesso. Mas não ando a tentar fazer a diferença. Por amor deixaria até de escrever. Sei isso. E não tenho sentido falta de nenhum dos dois, é certo, de me sentir completo no coração e de caneta em punho, mas ainda assim que estou apenas a tentar teorizar um pouco daquilo que tento fazer com a minha escrita, sendo esta uma simples forma de prosseguir, escrevendo. E não estou a fazer sentido nenhum. Eu explico-me melhor: à falta de ideias para escrever, lanço-me num exercício sobre isso mesmo. É um contra-senso. E é redundante. Mas que se lixe. E porquê? Bem, porventura talvez seja uma falsa crença. No fim de contas por vezes até duvido que tenha o direito (porque é de um privilégio que se trata) de continuar a escrever, quando não há nada minimamente razoável que tenha por dizer. Não creio sequer que tenha o mínimo de perícia necessária para o conseguir, num acto puro de mérito pessoal. E ara não ceder à simples tentação de, ao desiludir-me, desviar-me do óbvio e continuar por outro lado, tomo uma simples decisão. Agora, neste preciso instante, sinto-me desconexo e vencido. Não vencido, mas pelo menos como alguém que já cedeu parte do seu espaço a um simples nada. E que nada, este. Sim, e acabo por andar aos círculos. Preciso de matar uma pequena parte de mim para me poder reencontrar. A Navalha, neste momento, merecia um outro eu. Como a lógica do mundo é estúpida e eu não tenho possibilidade de piscar os olhos por um pouco e já tudo ter passado, então rendo-me à evidência. Tenho necessidade de dar um tempo, whatever that is, preparar uma simples pausa. E é terrivelmente egoísta da minha parte servir-me do blogue para tal e por isso peço desculpa a todos e em especial ao J., mas preciso deste compromisso como forma de pressão pessoal porque no fundo ainda tenho algo a dizer a mim próprio, mais do que isso, de tudo o que escrevi, acredito sinceramente que são pequenas, senão ínfimas, porções de tudo o que há-de vir. Só voltarei a postar n’A Navalha quando tiver um mínimo de orgulho exigível no que tiver concretizado. Caso contrário, nada feito. Ah, mas descansem, A Navalha, este corte, não será nunca um antro de lamúrias ou reflexos de vidas de queixume constante. E eu quero mesmo fazer algo de jeito. Se tiver de voltar só em Novembro, que seja. O importante é que o faça condignamente.
Sem mais demoras [sempre quis acabar um post assim, eh eh]





P.

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Autorelocator.

ele
Chama: alguém, alguém. A sua voz está desfocada pelo vento ensurdecedor. A única coisa que sente, e que sabe que é real, é o chão de terra cinzenta, estranhamente cinzenta, com pedras pequenas por toda a volta, onde se encontra, derrotado; em desespero. De quatro, de tanto gritar, e as lágrimas de terror escorrem-lhe pelo rosto e pela barba. Não vê absolutamente nada. Nada. Está com as mãos e os joelhos no chão, e olha para a escuridão total à sua frente, à volta de si, chorando de olhos arregalados, e a boca tão aberta. Só sabe que está no exterior, no meio de uma imensidão de nada, porque o vento o fustiga, da esquerda para a direita, tão forte - e tão; incrivelmente forte. e a escuridão, total, e a única fonte de luz é um brilho forte, amarelo, que o ilumina numa esfera à sua volta, como se ele fosse a única fonte de luz em todo o plano de existência onde se encontra. Por cima de si, em frente, atrás de si, de lado - Nada, o absolutamente nada; a escuridão, Total e Absoluta. E o seu terror puro, de não saber como ou porque está ali, num momento impossível. E ouve, ao longe, parece-lhe, guinchos. Guinchos metálicos de animais, guinchos estridentes metálicos abafados pelo som do vento, ao longe, horríveis. Guinchos predatórios. há algo lá fora, na escuridão; e ela rodeia-o, está em toda a parte, e não há nada. Não há absolutamente nada excepto aquela pequena parte de terra seca onde se encontra, fitando a escuridão com a mesma expressão imóvel; pó e pedras, e o vento ensurdecedor. Guinchos, ao longe. De quatro, a cabeça esticada para a frente, olhos arregalados, a boca aberta num grito mudo.
Fitando a escuridão.
Esperando que o devorem.










03/05/03/04/10/05








J.

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segunda-feira, outubro 24, 2005

paradise garage? coliseu dos recreios? tasca do senhor antunes?






E eu só queria que eles viessem cá a portugal (outra vez).





J.

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Li por estes dias uma pequena estória algures que era mais ou menos assim:
um professor coloca uma cadeira em cima da mesa e pede aos alunos que lhe provem, por escrito, que aquela cadeira, de facto, não existe, não sendo como tal minimamente relevante; a maior parte dos alunos deleita-se em dissertações maravilhosas acerca da subjectividade e relatividade de uma simples cadeira de madeira e tudo o mais. um deles escreve apenas: Que cadeira?
coisa curiosa, esta, que terminava com um portentoso elogio à simplicidade dentro das coisas mais complexas.
quanto a mim, pergunto-me apenas se não há mesmo mais nada de interessante para fazer a estas horas...


P.

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Como e porquê

o cd é de 1969, quem canta já morreu e não mais nos poderá agraciar com qualquer outro trabalho, mas ainda assim não sai da minha aparelhagem. Elis Regina, como e porquê, emprestado por uma colega minha da faculdade, confirma o que eu sempre suspeitara - que eu ia gostar muito da mulher se ouvisse mais alguma coisa que não apenas um concerto ao vivo, há uns cinco anos atrás.




In other news: and you will know us by the trail of dead kicks major ass.




J.

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sábado, outubro 22, 2005

Uma Cidade.

Era uma cidade
com algumas mornas dispostas
a um poema
: Gaivotas em demasia sempre
muito assassinas
Um cheiro a sal quando não se via
o mar
E cachecóis a taparem sempre a boca das pessoas
que eram
levadas pelo vento




Era uma cidade de frequentes patricídios.
Navalhas nos bolsos dos jovens silenciosos
só porque gostavam do faíscar na
pele




Com visitas
ocasionais de pessoas inoportunas
como nós





05/29/21/22/08/05
Sambade.





J.

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quinta-feira, outubro 20, 2005

Post

hoje andava pela rua e vejo, assim do nada, um arrumador de carros (era dos normais, se por normais podermos entender junkies em ressaca de coca ou cavalo a coleccionar trocos). E o que me espantou foi isto: o gajo estava a usar um colete retrorreflector na sua área de acção, enquanto andava à caça de carros. laranja, com as duas bandas fluorescentes, tudo jóia. Ali, a arrumar carros e a pedir trocos, com um colete por cima da roupa, como os bófias. Isto é que é profissionalismo no trabalho.

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terça-feira, outubro 18, 2005

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A pertença ao outro, medida à conta do que se
Indigna. Queria sentir-me, esta noite – disse ela
Esperava ser luz
desejo
uma forma de presença, e nessa presença
ser sombra. Sombra e
Silêncio
Ele disse: por mais janelas com que se cubra o mundo
não esperava ter dias, saber contá-los
Continuamente –

Em seguida desarruma-se o corpo, canta-se
cada osso
cada linha difusa que se estenda pela palma da mão
sabe-se dos dias
Os mesmos. Cada
qual, como sempre, sereno e tímido.
Cada qual desde sempre sentido.
Já nua de espírito. Ao sabor da
música
Ela pediu:
Viola meu corpo com o que resta do teu amor.
Seu sangue pulsou desejo, Perguntas, palavras,
mais um simples assombro. Ele colocou as suas
mãos
sobre os joelhos. Apertou nervosamente.
Sabe que toca: algum cabelo luzindo, movimento
Seria assim, por vezes, quando tudo se ilumina
Seria assim:
se no centro do esquecimento restasse lembrança.

Havia música.




P.

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domingo, outubro 16, 2005

O meu gato.







Hoje passei o dia em casa, frio. Lá fora, eu estava um pouco cansado da semana. Ontem tinha saído durante o dia todo, e noite também. Gosto de me levantar devagar, abrir as persianas e ver a claridade, lá fora, sentir-me quente. Pôr uma música a tocar (gosto de demorar o cd que escolho, fazendo-o com preguiça…), e vestindo-me, também devagar. Acho uma pessoa andar de boxers e t-shirt – ou, neste caso, de pijama – pela casa o dia todo, é uma atitude de desleixo, não nos levarmos a sério nestes dias, em que simplesmente escolhemos não fazer nada. E eu já tinha escolhido o cd (tocaca o último cd dos at the drive-in, com uma cover particularmente bonita da música this night hás opened my eyes, dos the smiths, calma, neutra), e procurava, já, uma camisola. Os meus pais agora gostam de todos os dias, depois do jantar, irem dar caminhadas pela cidade e pelos parques, como exercício, e costumam roubar algumas minhas, já antigas. A única que tinha sobrado, estava numa gaveta a que nunca vou – porque está no móvel da minha escrivaninha, e ela está sempre aberta, com um livro, ou folhas, ou um dos meus muitos dossiers ou cadernos por lá deitados. E quando a vesti, reparei numa coisa que dantes era comum em todas as minhas roupas – pelos, finos, amarelos e brancos. Lembrei-me, do meu gato. Eu tinha um gato, muito amarelo e muito branco, muito meigo e apreciador de mimos, chamado Tintin; como o jovem repórter belga. O Tintin tinha sido meu quando convencera os meus pais a deixarem trazê-lo cá para casa em Lisboa, depois da minha gata ter dado à luz duas crias, na aldeia dos meus avós (digo, minha, porque fora eu que a escolhera para a dar aos meus avós). Eu gostava imenso daquele gato. Durante a noite quando dormia ia para a minha cama, e metia-se aos meus pés, debaixo dos cobertores, para dormir mais quente. Gostava acima de tudo de dormir no meu quarto à tarde, quando a luz lá batia. Não bufava nem mordia a ninguém, excepto ao aspirador, ao qual tinha terror, e à empregada que ainda aqui vem, quando vestia o avental azul com rendas. O Tintin era amarelo e branco, focinho branco, e amarelo à volta do nariz, e branco no peito, e nas patas; e depois entre o castanho e o amarelo-torrado, na zona do dorso. No início deste ano, a minha mãe, que sempre tivera muitas alergias, descobriu um novo especialista, algures – ora-lhe diagnosticado uma renite alérgica mais acentuada que nas outras anteriores análises. Talvez fosse o gato, mas embora não tivéssemos certezas, decidimos dá-lo aos meus avós o meu pai nunca tinha gostado muito dele – tinham os dois cortado relações há dois anos atrás, quando voltávamos e uma viagem longa – o Tintin odiava viajar, então miava e enjoava imenso nas viagens, por isso tínhamos de lhe dar calmantes. O meu pai aprendeu a odiá-lo por isso. Eu sofri, suponho. Ainda hoje quando entro em casa e rodo a chave na porta, conto sempre vê-lo à entrada à minha espera, pedindo festas sempre com apenas um miar, muito agudo, e curto.
E chamá-lo pelo nome.
E quando vesti a minha camisola azul-escura, vi-o pelo quarto todo. A trepar à escrivaninha. Dormindo entre as almofadas da cama. Dando patadas nas mangas das camisolas que pingavam da cadeira. Brincando comigo com os meus dedos nos ferros da cama. Metendo-se por debaixo dele quando brincávamos, ou fugia com medo. Espreguiçando-se no tapete.



E senti umas saudades.

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sábado, outubro 15, 2005

Como assim, terem parado de repente?

é verdade-... temos andado uns preguiçosos do caraças. as aulas já começaram, eu tenho uns professores meios merdosos, e o pedro tem, sei lá, fufas atrás dele. São as coisas normais do dia-a-dia, umas provocações aqui, uns linchamentos acolá. Andadmos a discutir que rumo tomar com isto. Até daqui a um dia ou dois.

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quarta-feira, outubro 12, 2005

O Roubo.

A Velha Mulher escutou
Ouviu
Redobrou a atenção
Ao roubo das texturas quentes
do seu filho.
Numa ocasional confusão
de mantas. La Guardia estremeceu
com o pavor dos inocentes.
Setecentos olhos arrancados foram
para não indiciar as lindas
e belas cores
bordadas.
Pois era tudo aquilo que se era:
Numa lentidão diagonal
de limos pela mítica
máquina de aragens
onde se ouvia nos prantos
- Guenévera também acusou -
das mulheres, o toque impreciso
e arritmado sob as tágides
de pedra desaparecidas.
Observadas na acusação
das motas.
Superficiais mas os gritos
eram outros. E o modus
operandi
Voltou a ser discutido.
Eram homens com facas?
capuzes vermelhos nos morenos
Ou antes
Nuvens de assassinos amantes
do pó do México.
Pois, a velha
; envolta
na extrema confusão., Ausência
Eles diriam do
Sabor
das pérolas
que jurava.
qual foi o turbilhão que a todos confundiu?
Qual foi o turbilhão que a todos escondeu para sempre?
Num afogamento
- Do mistério resta, o
Afogamento da Madre
Vieja em ausência
singular e desaparecido
estranho
Estranho
Ruído friccional
.








01/50/19/20/09/05


Ao som contínuo de Here The Tame Goes By.
Seria interessante se alguém decifrasse o poema.





J.

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terça-feira, outubro 11, 2005

dois amigos

falavam:

- Queria contar-te uma cena.
- Então?
- Epah, acabámos. Eu e ela. Quer-se dizer, não foi bem acabar. É assim: ela foi a minha casa, vinha com aquela estúpida camisola verde, tipo tropa, que não suporto. Mal chegou começou logo a disparatar, ah eu amo-te e tal mas t és isto e aquilo e mais não sei o quê. Epah ela não se calava, mas não se calava mesmo. Comecei a olhar à volta e peguei no comando de televisão um bocado naquela e a gaja, vá-se lá saber porquê, desligou-me aquilo mesmo à toa e começou logo a atirar-me à cara que eu nunca a ouvia nem nada, que quando começámos a namorar estava sempre a dar-lhe chocolates e doces e que agora só a chamava de gorda e cenas assim, mas ela não se calava e eu naquela, ok, como é que a vou calar, e ela falava, e eu a comecei a pensar que seria bem fixe ter uma cena qualquer bem pesada para lhe atirar, e a tipa a falar, a falar, a falar, já nem a ouvia, só me doía a cabeça, do estilo, que mal fiz eu para merecer isto?, e epah, um tipo, quando lhe começam a chingar os cornos demasiado, cansa-se; e ela a falar, tipo matraca, bum, bum, bum, aquilo a bater forte na cabeça, parecia uma metralhadora ,e falava e falava, e eu já nem ouvia a tipa, não arranjas melhor do que eu e não sei quantas, que seca de gaja. Levantei-me, ‘tás a ver, aproximei-me dela calmamente, pus-lhe a mão no pescoço, de mansinho, aproximei-me para a beijar, e comecei a apertar-lhe o pescoço, e a apertar, e a apertar mais um pouco, até que passado um bocado ela se calou. Finalmente.
- Vá lá um gajo entender as mulheres.
- Pois, mas essas são as más notícias.
- Então, quais são as boas?
- Bem, acho que me estou a apaixonar de novo.




P.



(estava a ver que não se calava...)

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segunda-feira, outubro 10, 2005

Papermate Visupoint F






andei um mês em angústia. Deixei de encontrar as minhas canetas nos sítios habituais, e as reservas estavam-se a acabar - já só escrevia a preto, vermelho e verde. Há uns dias vi-as de novo. Duram-me para meio ano.


Quem não acreditou naquele outro post que eu tinha o vício destas canetas, pode comprová-lo agora.

Deus é grande.

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sábado, outubro 08, 2005

eu vi
a sereia de plástico esfacelar-se no rubro sal das marés portuguesas
seios tolhidos no sange de um lápis de cor
na boca a fúria das viagens: europas américas arábias
mares estreitos onde é possível morrer
novos países novas profundidades delirantes visões
por entre o coral de teu corpo nómada
vestido de neblina e de rios
breves lâminas sulcam a memória de pequenos espectáculos
e tua mão abre-se para nos oferecer um ovo
ou seria o mundo pintado de branco e amarelo?
eu vi
a sereia do sonho cansado levantar-se luminescente
caminhar incerta pela noite adiante
olhos vibráteis captando a fragrância preciosa dos distantes marinheiros em cio
os dedos por cima doutros sexos lisos como os limos que escorregam para dentro dos sonhos
inocência calcária dos dias
medusas mortas
o corpo enchendo-se com os despojos de um mar
eu vi
a sereia em plástico português
crescer das pérolas insones de uma ostra
e vergar o corpo sobre a folha de papel
fascinada
abria os lábios húmidos para sugar o sexo do marinheiro desenhado
escondia-se depois numa frsta penumbrosa do cais
prolongava a vigília do corpo na observação dos astros
enquanto tu continuaste a desenhar
eu vi
sua transparência de saliva pura atravessar corpos e estrelas
sem que teu corpo sofresse
ou sua transparência diminuísse
até que a noite sequiosa abria caminha às facas adivinhadas
e ao sexo em prazer vigoroso
onde peixes luminosos traçam na água as linhas da palma da mão
eu vi
a sereia de plástico construir um país
e um veleiro para se evadir na direcção doutras ilhas
levando por bagagem os detritos dados-à-costa: garrafas brancas de gin nocturno sapatos inchados panos preservativos usados cacos de louça embalagens carcomidas cartões de caixas ao vento velas da imensa jangada vestígios de comida rápida pentes vidros filmes madeiras fotografias que o tempo recusou morder
e navegou
navegou demoradamente conheceu a sede e a fome
o frio a neve de flutuantes ilhas a alucinação
eu vi
a sereia embriagada abrir garrafas de cerveja com os dentes
e oferecer flores envenenadas aos amantes
dobrada sobre as flores da velhice deixava-as cair
na vertigem fortíssima da aguardente
roía as unhas e a ferrugem dos brinquedos
desenterrava da memória colheres delirantes
restos de rostos carbonizados
areias cobertas de ouro e de peçonha
eu vi
a sereia fender seu próprio coração a golpes de sílex
e tatuar perto do antigo coração um rosto um cereal doente
nas veias rasgadas por monstros marinhos e pelo medo
o imenso medo do fim da adolescência
eu vi
a sereia em plástico português abrir um sulco de solidão
o precipício
e renegar o falso mel da terra debruçada sobre o esquecimento
rectângulo da monotomia donde soçobra o vómito
tudo enlouquece na ponta do lancinante lápis
as lágrimas o grito
eu vi
a sereia soltar das suas mãos a última paisagem viva
a papuola opiácea da morte envolvendo os corpos
antes de mergulhar para sempre na escuridão contínua do mar
eu vi
avermelhadas planícies
onde minúsculos animais fluorescentes semeiam olhos muito abertos
rasgando o confuso orvalho com suas caudas peludas
enroscando-se no doloroso pulso
transformam-se em pulseiras de sangue
a serpente mineral estrangulando o dedo
e no ombro do mar o adolescente nu reclina o corpo de água
dentro do emaranhado de libélulas enfurecdas voando
voando voando
eu vi







Al Berto.




penso que comentários da minha parte só mancham o poema, portanto limito-me a assinar - nunca poderia dizer nada de pertinente.



J.

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quarta-feira, outubro 05, 2005

Al Berto

eu geralmento gosto sempre que me perguntem quem é o meu escritor /poeta preferido, e respondo Al Berto. Não por ter a oportunidade de responder, mas um pouco mais para ver a reacção das pessoas a seguir. Eu digo, Al Berto. E então, elas perguntam, geralmente, Al Berto? Nunca ouvi falar. Como é que era? E eu digo, naturalmente
- Era um drogado bissexual que se mascarava de mulher, ou seja, travesti, para engatar gajos nas noites lisboetas.
Ou... algo assim parecido. Um arty Qualquer meio snob que se considere "poeta" ou "músico" ou "um tipo com ideias na cabeça ingressando por isso mesmo no movimento do bloco de esquera" poderia utilizar a bandeira de Al Berto, se a descobrisse, como utiliza a bóina e a bandeira com o retrato do Che Guevara, numa tentativa sempre frustrante e muitas vezes frustrada de dizer "olhem para mim, hey, tenho uma personalidade, sou uma pessoa bueeeeeda diferente". Mas, no meu caso, não é mesmo assim, nem sequer de longe. Eu adoro mesmo Al Berto, será meu mestre para sempre (apesar de ainda poder ser vivo hoje, a morte levou-o à ainda jovem idade de 47 anos, se não estou em erro), tendo-o descoberto no décimo primeiro ano. O Medo, o seu livro de colectânea poética, é também o meu livro preferido. Al Berto fez parte da geração avant-garde lisboeta do final dos anos oitenta, nos anos imediatamente após a ressaca do período de transição provocado pelo 25 de Abril. O que se passava lá fora começou a ser visto e introduzido em portugal. E o que se vivia lá fora era o punk, o new wave, o experimentalismo, em todos os campos artísticos, as drogas, e as sementes já despontadas da promiscuidade (homo) sexual. e Al Berto aceitou isso tudo. percorreu a europa toda sem guia, nem roteiro, usando o dinheiro com os livros de poesia que escrevia durante as suas travessias e as noites em que provavelmente se prostituiu para seguir caminho. Morre, um pouco esquecido por uma geração ainda proveniente do interior, ou demasiada presa ao fantasma de Pessoa, para ter sido reconhecido como merecia, talvez - poucos sabem que esteve, de facto, nomeado para o nobel da literatura.



porque - é quando abro O Medo ao calhas e me sai um poema como, por exemplo, A Sereia Em Plástico Português, que me sinto, verdadeiramente, pequeno.
E porque só ele sabia escrever poemas de amor, sem nunca ter invocado, a doce e gasta palavra.
O meu escritor preferido um travesti bissexual ganzado... tem piada. Mas, ironicamente, só podia ser assim.

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terça-feira, outubro 04, 2005

//

Ponto.
11:30 da manhã.
Ponto.


Dizer, querer dizer, como começar o predicado inconstante, cada passo, certo ponto, cada ponto, que voz
poderia ser esta, dizer, como querer,
que dia poderia ser este – ainda a iminência, presumo agora, se soubesse como seria
tão fácil, saber que o seria Sim



Seria fácil fosse este o dia para tal. Ainda o digo. Ainda o presumo.



- Concretamente –

Diria que ainda há um certo gosto em brincar com a força das palavras,
saber que
são livres de se perderem e inutilizar Sim
seria incrível querer agora tê-lo, ele [ao limitativo plano dos dias],
como se fosse mais uma virgula implacável perdida,

,
- Implacavelmente –

Seria outro jogo finito, indefinido, seria dizê-lo, mais um plano superficial, pouco abrangente, desencontrado,
Tenho toda a sede do mundo das minhas próprias palavras. E isso significa o que significa.




[Tenho toda a sede do mundo nas minhas próprias palavras.]




É a única maneira de me reprovar.
-
Ainda vou a tempo de me provar.



Ponto
10:30 da noite.
Ponto

Queria sentir a placidez jazzística, mastigar a minha
persistente
insistente
resistente
repetente – Peço

Posso tentar parar, chegar para o lado as paragens,
parar, parar, parar,
sob os joelhos.
Parar.




Tenho andado a pensar em como c u s p i r o que antes pensava perder.
Planar no surreal

Tenho algo a dizer:




Que raio ando a tentar fazer?








P.





(P.S.: Hoje é o dia do Animal)

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domingo, outubro 02, 2005

De onde Vens.

- Eu…? Eu.
Eu venho de um lugar onde os prédios, caem como gotas em tardes de cinza, das barbas dos gigantes de gelo. De um local onde a cera trazida do mar se amontoa, em montanhas cónicas, brilhantes, onde as gaivotas guincham permanentemente, e são rainhas. Eu venho de um lugar onde o vento é um nome oblíquo e prismático, nas roupas transmutadoras das pessoas mudas, que esperam, ansiosamente, a próxima canção, impressas em tinta-da-china nos pavimentos, nos passeios, e nas ruas hexagonais. Eu venho, de um local de arcadas intermináveis; em que os cemitérios são criados apenas para recolher farrapos de sonhos desorientados, e que a cada dia crescem mais alimentando-se deles mesmos, sem ninguém lá entrar num silêncio de cobre. E onde os mortos murmuram, presos aos pilares do universo inverso de betão da Grande Cidade devoradora, que pulsa sempre, moribunda, como uma estrela faminta, por algo mais, das consciências das pessoas que imprimiu. Eu venho de um lugar onde amputam e cosem em santuários em forma de Garra octógona as asas de carne que saem das omoplatas dos deficientes, em armações de cartilagens, com fitas de filmes sem cor. Eu venho de um local onde as janelas sugam toda a luz para dentro dos seus prédios desertos, cheios de ruídos invisíveis, que saem das próprias fundações, como se tivessem vida própria. Prisões fingidas à realidade, que é colmatada com a absorção das rajadas magnéticas dos Sábios Silenciosos, enclausurados nas suas máquinas gigantescas, criadas para decifrarem a razão da sua própria utilidade. Eu venho de um lugar onde os animais são mais silenciosos que o bater do relógio da Grande Torre sem Sino, habitados e cegos por desesperos de diamante, em sopros intermináveis e inaudíveis de raiva., escondendo-se das próprias sombras que criam, quando Ressoam nas pedras insolúveis de um terror sem nome. Eu venho de um lugar onde as montanhas são catedrais de sangue, virgem e rosa, borbulhando com os milhões de fornalhas orgânicas, e onde ninguém sabe quem lá vive, trabalha, e Zumbe sem cessar. E onde os homens e as mulheres, silenciosos, repousam em decadências sensoriais de inlucidez extrema adormecida, como uma espiral de gravidade invocada por reverberações rasgadas de desconhecidos, e sempre presentes, Instrumentos de sopro; que não produzem uma única nota
Melódica.




Eu venho de um lugar, que era assim. Como torres, numa encosta de chuva, tão perene quanto o calor dos seus pântanos de cristal, fundidos na rocha quente da eterna madrugada, onde eram insuflados em rituais religiosos espelhos, com um defeito sagrado nos seus reflexos. Onde os assassinos são ricos, decadentes em lambidelas de tigre, em jogos floreados de vinganças permanentes, e onde os pintores prendem-se, a nível dos sonhos, às suas obras que se tornaram mais reais que eles mesmos, numa miséria de gritos multicores que ecoam, pelos esgotos labirínticos e ionizados debaixo do infinito chão de metal. E onde os escritores escrevem sempre o mesmo livro, e quando as páginas estão já pretas com tinta, pegam em tinta branca e começam de novo, numa estranha fome parasítica que os mantém vivos à sua própria escravidão.
Eu venho de um lugar assim: estranho, prismático, abstracto. E tão impossível quanto as ideias esquizofrénicas de um génio louco.


- Ou seja, vens de cascais.

- Não não, moro para os lados da Amadora.








01/55/14/15/09/05







J.

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sábado, outubro 01, 2005

porque a pertinência é subjectiva.

Sou capaz do possível e do impossível, só que às vezes o impossível dá algum trabalho a mais mas isso não quer dizer que seja mais difícil; é mais complicado, tudo bem, mas é que isso pode ser chato mais ainda assim ah pois também é verdade mas, tipo, ainda não decidi em quem vou votar pois pois, mas o que eu queria mesmo era ganhar a lotaria e comprar um g’anda carrão e pagar um lar porreiro à velha e uma casa, não, um casarão, lá para os lados de Alcochete para assistir aos treinos do Sporting e, é verdade, perdemos, mas também já estava a ver o caso mal parado mas queria contar-te uma cena, lembras-te da outra gaja de que te falei, sim essa loira, meio gordita, não me lembro bem do nome, mas yah, tipo, já, como dizer, fechei o negócio, é verdade, eh eh, aqui o teu amigo não pára ainda no outro dia estava a tomar café com o não-sei-quantos, que era teu colega e andava com aquela histérica, sim, eles já acabaram, mas o tipo disse-me que arranjou um g’anda negócio a vender morfina ao pessoal do intendente, porque um farmaêutico que ele conhece anda a arranjar aquilo bem barato e, tipo, o gajo perguntou-me, tipo, se eu queria entrar na cena e, e, e como andava à procura de uns biscates p’ra ganhar uns trocos extra, tipo, até estava a pensar fazê-lo, Era fixe, não achas, tipo, mas pronto, de resto, contigo também tá tudo bem como se vê por esse sorriso matreiro, meu sacana, ‘tá fixe, ‘tá fixe, mas ok, tens de ir, não é, pois, eu compreendo, então a gente vê-se por aí; fica bem, rapaz, vai dando notícias.




P.

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